“Aqui encontrei mais força e vigor para viver. Minha autoestima está nas alturas, até parei de beber.” A frase é de José Marcos, de 59 anos, um dos cerca de 50 alunos do Lá Em Casa -- centro de reabilitação física e de convivência para pessoas vivendo com HIV/aids, localizado na Casa Verde, zona norte de São Paulo. Nesta segunda (25), o projeto, idealizado por Roseli Tardelli, diretora da Agência de Notícias da Aids, fez um ano e estamos fazendo uma série de reportagens em comemoração à data.
Na academia especializada em combate à lipodistrofia (acúmulo ou perda de gordura no corpo) desde setembro de 2015, José chegou ali pesando 135 quilos. Sete meses depois, já conseguiu emagrecer 14. "Identifiquei-me com este espaço. Fui bem acolhido desde o primeiro instante e venho todo dia de Pirituba no maior pique", contou. José vive com HIV desde 1998, mas essa é a primeira vez que seus exames clínicos apresentaram bons resultados.
"A atividade física tem melhorado muito minha qualidade de vida. Não paro de receber os parabéns dos meus médicos", comemorou. E não é por acaso que ele tem atingido a meta, é um aluno dedicado e um dos primeiros a chegar cedinho no Lá Em Casa. "No começo eu treinava três vezes por semana, agora, peguei gosto e estou aqui praticamente todos os dias. Faço vários exercícios, mas gosto mesmo é de caminhar na esteira, aguento 60 minutos de caminhada."
Festa de aniversário
A terça-feira (26) foi um dia atípico do projeto. A casa estava lotada de gente querendo, além de malhar, comemorar o aniversário de duas usuárias. Entre um parabéns e outro, eles se exercitavam e escutavam atentamente as instruções dos educadores físicos André Soares e Reinaldo Sobrinho. "Hoje eu não vou malhar, estou com dor nos pés, mas vim parabenizar a minha amiga aniversariante", disse uma das frequentadoras.
O café já é uma das marcas registradas da casa. Quem chega ali vai direto à cozinha tomar um. Aliás, a cozinha é um dos cômodos mais frequentados e aconchegantes do Lá Em Casa. Antes de malhar, geralmente eles comem batata doce ou um lanchinho que trazem de suas casas. Mas o cardápio de ontem também foi atípico, dois bolos, um de brigadeiro e outro de chocolate com morango. O primeiro parabéns foi às 11 horas. Uma das usuárias do Lá Em Casa fez questão de surpreender o grupo com o bolo surpresa para a amiga Gabriela Luz. "Sei que ela adora bolo de brigadeiro, fiz para presenteá-la". E, claro, a aniversariante adorou a surpresa.
"Estou feliz em comemorar meu aniversário neste espaço. Hoje nem é o meu dia de malhar, mas soube que minhas amigas estavam preparando um bolo e fiz questão de comparecer. Já somos uma família", disse Gabriela, de 53 anos, mãe de três garotos e avó de um menino e uma menina.
Gabriela chegou à academia em agosto de 2015. "Estava cheia de gordura localizada e insatisfeita com o meu corpo, tudo efeito dos antirretrovirais. Em 20 de agosto, fiz minha primeira avaliação com o André e comecei a malhar às terças e quintas-feiras. Hoje, além de ter disposição e ter conseguido reverter o efeito da lipodistrofia, quase moro aqui. Este não é um espaço de doença. Aqui, até esquecemos que temos HIV."
Uma das alunas mais recentes do Lá Em Casa, Alice Mendonça, de 68 anos, chegou ali em março deste ano. "Faço tratamento no CRT (Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids) e fui indicada por eles para o projeto. Moro no Tucuruvi e venho para Casa Verde pelo menos três vezes por semana. É um prazer estar aqui, sou bem acolhida e sempre divulgo o Lá Em Casa para outras pessoas."
O segundo parabéns foi às 3 da tarde. “Que dia incrível”, comemorou a segunda aniversariante. O dia foi tão movimentado nesta terça-feira e quase 20 pessoas passaram pelo Lá Em Casa.
Números
Desde abril de 2015 o projeto já atendeu cerca de 50 pessoas, destas, 80% são mulheres. A idade média dos usuários é entre 40 e 60 anos. E, geralmente, a cada semana, chega à casa um aluno novo. “Vinte e cinco alunos treinam regularmente três vezes por semana e este é um bom número. Neste primeiro ano, conseguimos resultados incríveis. Por exemplo, já reabilitamos sete pessoas com toxoplasmose, muitos alunos já conseguiram melhorar os índices de triglicérides, colesterol, CD4 e HDL", comemorou o treinador Reinaldo Sobrinho.
Reinaldo conta que o Lá Em Casa é muito mais do que atividade física, pois se tornou um espaço de convivência e ajuda mútua.
“Uns ajudam os outros aqui. Quando alguém está sem emprego o outro indica para uma vaga. Os alunos fazem questão de tomar café da manhã juntos: um traz o pão, o outro o leite e assim vai... Os que estão sem trabalho ficam na casa o dia todo, às vezes até almoçam por aqui. O mais legal é que os próprios alunos é que acabam fazendo o controle de faltas. Quando alguém falta, pelo motivo que for, eles é que entram em contato com o colega e, assim, sabemos o que aconteceu. Ou seja, conseguimos criar um espaço efetivo de inclusão social", explicou Reinaldo.
O treinador também contou que quando um aluno foi internado os outros foram visitá-lo. “Acredito que todos entenderam a importância do cuidado com o outro. Não temos uma academia tradicional, os exercícios físicos são elaborados a partir da capacidade funcional de cada paciente. São treinos diferenciados. E nem sempre eles vêm ao projeto para treinar. Às vezes, aparecem só para conversar, rever o amigo, ver televisão. "
O treinador revelou também que, nas sextas-feiras, acontecem almoços comunitários no Lá Em Casa. "É um momento incrível de troca. São os próprios alunos que cozinham. Sou muito agradecido por este trabalho, um sonho profissional que se tornou realidade. A inclusão social talvez seja o maior ganho do projeto neste primeiro ano. Temos gente obesa que participa de tudo. Temos pessoas com lipodistrofia que está ganhando massa magra. Temos pessoas que tomavam remédio para depressão e não tomam mais."
Sobre o futuro, Reinaldo diz que a ideia é ampliar o trabalho e aumentar o número de alunos. “Com a equipe que temos, conseguimos atender com boa qualidade 50 alunos.”
O projeto Lá Em Casa -- Saúde, Arte, Bem-Estar e Cidadania foi viabilizado com os seguintes apoios: Sesc e Senac SP, Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo e Instituto Vida Nova.
Funciona na casa onde Roseli Tardelli passou a infância com os pais e o irmão, Sérgio Tardelli, que morreu em consequência de complicações do HIV em 1994.
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