sábado, 15 de julho de 2017

São Paulo registra aumento de casos de hepatite A entre homens que fazem sexo com homens



Dados recentes da OMS (Organização Mundial da Saúde) alertam para o aumento mundial dos casos de hepatite A entre homens gays, bissexuais e homens que fazem sexo com homens (HSH). Os números já podem ser observados no Brasil, pois há um aumento expressivo dos casos de hepatite A na cidade de São Paulo: o salto foi de 63 casos, durante todo o ano de 2016, para 135 casos nos primeiros seis meses de 2017. Desses, segundo dados do Boletim Epidemiológico da Covisa (Coordenação de Vigilância em Saúde), 81% são do sexo masculino e 64% têm entre 18 e 39 anos.
Até o momento, a cidade registrou 18 casos por contato sexual desprotegido e 13 foram adquiridos por água e alimentos contaminados. Ainda 77% dos casos estão em investigação, mas a cidade já conta 2 óbitos por hepatite fulminante.
Doença infecciosa, aguda, causada pelo vírus VHA e eliminado pelas fezes, a hepatite A é transmitida por via oral-fecal, de uma pessoa infectada para outra saudável, através de alimentos ou da água contaminada. A transmissão sexual pode ocorrer com a prática sexual oral-anal (pelo contato da mucosa da boca com o ânus de uma pessoa infectada).
Na Europa, segundo a OMS, 15 países já registraram o surto da doença entre HSH no último ano: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Eslovênia, Espanha, Suécia e Reino Unido, totalizando 1.173 casos até 16 maio deste ano.
No Chile, foram notificados 706 até agora. Já o departamento de saúde de Nova York, nos Estados Unidos, registrou um aumento da doença entre HSH que não relataram viagens internacionais.
Casos recentes
Um dos casos registrados na cidade de São Paulo é o do radialista Matheus Rossi, de 23 anos. Há cerca de um mês ele descobriu que era portador do vírus da hepatite A. “Estava febril, sem apetite e com dor no fundo dos olhos, então decidi procurar um médico, ele solicitou o exame de sorologia e logo recebi o resultado. Os sintomas da doença estavam avançados, meu fígado bastante prejudicado, até fiquei internado por cinco dias. Agora estou bem, mas desconfio que me infectei depois de uma relação sexual desprotegida”, contou.
O paulistano Rodrigo*, de 26 anos, descobriu mais recentemente, há 15 dias, depois de sentir mal-estar, um dia depois da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 19 de junho.  Ele ficou indisposto e decidiu procurar um médico. “Até pensei que era ressaca, bebi bastante na Parada, mas a minha pele estava amarela. No pronto-socorro me pediram o exame de sorologia e, claro, deu positivo para hepatite A. Eu não desconfiava, mas depois de muita reflexão cheguei à conclusão de que a infecção se deu após o sexo oral-anal sem proteção”, relatou. O que esses dois relatos têm em comum: os dois se dizem HSH.
A prática médica
Os infectologistas Valdez Madruga e Álvaro Costa, ambos do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo - serviço administrado pelo Estado, mas com sede na cidade de São Paulo, observaram na prática médica o aumento de casos de hepatite A entre HSH nos primeiros meses do ano. "De janeiro para cá já atendi seis casos, 4 deles são pessoas que participam ou participaram de pesquisas no CRT, um no ambulatório e outro no consultório, todos assumidamente gays", relatou Valdez.
Álvaro atendeu 5 casos em 2017, três são pacientes do CRT e dois são do consultório particular. "Está claro que a circulação do vírus aumentou mundialmente, as práticas sexuais têm se diversificado cada vez mais e ainda enfrentamos problemas de saneamento básico. ”
Hoje, a luta dos dois médicos é para que a vacina esteja disponível no SUS para todos, inclusive para os homens que fazem sexo com outros homens.
No Brasil, a imunização contra a hepatite A está disponível na rede pública para crianças de 1 a 2 anos. Ela foi introduzida no calendário nacional de vacinação em 1º de julho 2014 e também é recomendada para pessoas vivendo com HIV/aids, portadores crônicos de hepatite B e C e outras hepatopatias crônicas.
A boa notícia, segundo Valdez, é de que “no CRT, já conseguimos estender para todos os participantes do estudo PrEP Brasil. Mas o ideal seria disponibilizar para todos os HSH do país", defendeu.
A OMS recomenda a vacinação contra a hepatite A para grupos de alto risco, como viajantes para áreas endêmicas, HSH, usuários de drogas injetáveis e pacientes com hepatites virais.
Dr. Álvaro faz um alerta: “se houver alguma suspeita de ter contraído a doença, procure um médico rapidamente e peça o exame de sorologia. Evitar a contaminação oral fecal é fácil, a dica é consumir água potável, lavar as mãos com água e sabão antes de preparar ou comer alimentos, higienizar os alimentos crus antes do consumo, evitar alimentos produzidos em condições insatisfatórias ou de origem duvidosa. Além disso, usar preservativos é essencial para prevenir a infecção via sexual", completou Álvaro.
Sintomas
Valdez foi quem alertou a vigilância sanitária sobre o aumento da doença em São Paulo. De acordo com ele, os sinais e sintomas da hepatite A, geralmente, aparecem de 2 a 4 semanas após a infecção, pois esse é o período de incubação do vírus. "Os sintomas da doença são muito variados, semelhantes aos da gripe. O paciente pode apresentar fadiga, náusea e vômitos, dor ou desconforto abdominal, especialmente na área próxima ao fígado, perda de apetite, febre baixa, urina escura, dor muscular e icterícia [pele e olhos amarelos]. Nos pacientes com HIV, os sintomas são iguais."
Álvaro diz que a doença costuma durar menos de dois meses, mas pode chegar a seis. "Raramente pode apresentar uma forma grave, chamada fulminante, que pode levar a óbito rapidamente, mas é possível. Além disso, nem todas as pessoas com hepatite A desenvolvem sintomas, existem casos de infecção assintomática e outros podem passar despercebido."
Tratamento
Os dois médicos garantiram que não existe tratamento específico para a hepatite A. O próprio corpo se encarrega de se livrar do vírus. Na maioria dos casos, o fígado se cura completamente em um ou dois meses sem danos permanentes. Essa também foi a orientação que Matheus e Rodrigo receberam de seus médicos. Há, no entanto, formas de se acelerar a cura. O tratamento, neste caso, pode ser baseado no manejo dos sintomas causados pela doença. "A recomendação é descansar, vale lembrar que o fígado é o órgão mais prejudicado pela hepatite A, por isso, evite a ingestão de álcool ou de medicamentos que podem prejudicar o fígado. Para pessoas com HIV, a recomendação é de que procure seu médico. Não é necessário interromper o tratamento antirretroviral", observa Valdez.
De acordo com a gerente da Covisa, Maria Dias Nakazaki, "a hepatite A não é de notificação individual, mas geralmente ela se apresenta em grupos comunitários que vivem em ambientes comuns. Hoje, não é possível afirmar que a cidade de São Paulo vive um surto da doença entre homens que fazem sexo com homens, mas estamos investigando", explicou.
Segundo ela, a Secretária Municipal de Saúde está alertando os profissionais sobre as importantes medidas de prevenção. Para evitar a exposição fecal-oral durante a atividade sexual, a prefeitura indica o uso de barreiras de látex durante o sexo oral e anal (camisinha adaptada, "dental dam", filme PVC); uso de luvas de látex para "dedar" e "fistar" e a lavagem de mãos, da região genital e anal antes e depois do sexo
Outra ação para frear o avanço da doença no estado de São Paulo é da coordenação Estadual de DST/Aids. No último mês, o órgão também emitiu uma nota técnica para chamar a atenção dos profissionais de saúde. "Em 2017, foram identificados 13 casos de hepatite A em Ribeirão Preto com as mesmas características da cidade de São Paulo. Vale ressaltar que não há registro de ocorrência de casos em 2016 em Ribeirão Preto", alerta o documento.
A Associação da Parada do Orgulho LGBT também se engajou na tentativa de alertar o público gay sobre o aumento da hepatite A. No último mês, eles publicaram o alerta no site oficial da entidade. Leia aqui.
Tanto a Covisa como o CRT defendem que é importante que os casos sejam notificados aos serviços de saúde. Essa informação pode colaborar para o melhor conhecimento do comportamento da doença.
Em São Paulo, o próprio paciente pode acessar o site da Covisa e preencher um questionário de notificação da hepatite A.

*Nome fictício para preservar a identidade do paciente 

Dica de entrevista
CRT – Assessoria de Imprensa
Tel.: (11) 5087-6933
Covisa – Assessoria de Imprensa
Tel.: (11) 3397-6807
Matheus Rossi
E-mail: matheusferragut@gmail.com

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

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