Preocupados com a maneira que algumas ONGs têm ofertado o teste rápido na cidade de São Paulo, membros do Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids (Mopaids) reuniram-se nesta quarta-feira (16) com o Programa Municipal de DST/Aids para saber se existem protocolos, treinamentos, estrutura adequada e monitoramento específico para a realização desse trabalho pelas entidades.
“O que queremos deixar claro é que não somos a favor ou contra a realização desse trabalho pelas ONGs, mas queremos saber como isso tem caminhado”, justifica Araújo Lima, um dos coordenadores do Mopaids. “Nós nos preocupamos, pois vimos uma ONG ofertar teste rápido e conversar com um usuário, após a realização, ao ar livre. Isso nós preocupa muito”, diz Américo Nunes, também coordenador do Mopaids.
Marcos Blum, da articulação com a sociedade civil do Programa Municipal, explica que a atual gestão também se preocupa com esse tema. Segundo ele, no mês de junho, o Programa se reuniu com as ONGs que trabalham sobre o guarda-chuva Municipal para entender melhor o trabalho de cada uma e alinhar o processo. Essas entidades realizam teste rápido por meio de um edital que entrou em vigor na gestão anterior e está em processo de encerramento.
“Tem ONG que é parceira do Ministério da Saúde e outras do Estado. Cada órgão tem autonomia nas parcerias. Conosco esta a Viração e o Instituto Cultural Barong e nós fazemos o monitoramento e oferecemos o mesmo treinamento dado a um profissional de saúde. Também nos preocupamos com a estrutura adequada. O Barong conta com a sua própria unidade móvel e para a Viração nós cedíamos”, garante Marcos.
Da área de Prevenção do Programa Municipal, a psicóloga Elza Maria Alves Ferreira explica que está sendo feito um documento oficial, no formato de guia, sobre o que uma ONG precisa ter e fazer para executar a testagem, desde a retirada dos kits a vinculação do usuário ao serviço em caso positivo.
Na conversa, Araújo também relatou apreensão com o aconselhamento e tempo de espera até a primeira consulta: “Me parece que a testagem está sendo banalizada e o aconselhamento me preocupa. Muitos de nós tomamos remédio há mais de 30 anos e por isso nos sentimos a vontade com o discurso de que é só tomar remédio. O resultado causa reações diferentes em pessoas diferentes. Se a pessoa não tem o mínimo de estrutura e privacidade na hora de saber o resultado, é difícil. Sem contar que no município, levamos até quatro meses para a primeira consulta.”
Veja a seguir algumas das perguntas que feitas na reunião que foram respondidas pelos representantes do Programa:
Atualmente qual teste é realizado pelas ONGs?
Elza Ferreira: A maioria das ONGs realiza teste de fluido oral, que é uma triagem e não diagnóstico. Só dizemos que a pessoa é positiva para o HIV depois da realização de dois testes de tipos diferentes. Por exemplo, se o primeiro teste que deu positivo for de fluido oral, o segundo confirmatório deve ser de punção digital [furo no dedo] ou vice e versa. Mas não basta fazer os dois testes, é necessário que a entidade tenha um responsável técnico capacitado e treinado para dar diagnóstico. Esse responsável costuma ser um enfermeiro ou um psicólogo, pois para o teste de punção existe o manejo com sangue e, posteriormente, nos casos positivos é assinado um laudo.
Como deve ser feito o teste de fluido oral?
Elza Ferreira: O usuário não pode ter mascado chiclete, fumado, comido, ingerido ou bebido nada além de água meia hora antes de fazer o teste. Se ela tiver feito alguma dessas atividades, é necessário pedir que ela espere meia hora ou faça um bochecho, para não interferir no resultado. Nós trabalhamos e orientamos a espera de meia hora, pois o bochecho tem outras questões envolvidas. E pela experiência que temos, as pessoas esperam, pois é rápido.
Mesmo sendo um teste de triagem é necessário prezar pelo sigilo, ética e acolhimento. No caso positivo, você não tem garantia de que a pessoa vai procurar o serviço de saúde. Então isso tem que ser levado em conta para uma boa vinculação. Sabemos que não é fácil, mas é importante acompanhar esse usuário até a primeira consulta. O resultado positivo não é a única preocupação, pois cada pessoa tem uma história e o acolhimento e orientações de prevenção e cuidados são fundamentais.
A testagem pode ser feita em uma praça aberta sem estrutura?
Marcos Blum: Para uma cidade como São Paulo isso não é adequado. Em outra cidade, com outra realidade, é outra conversa. Aqui, o Programa Municipal conta com uma estrutura mínima para fazer coleta e dar o resultado. A gente tem uma rede grande espalhada pela cidade, pois o trabalho extramuros é uma campanha. Atualmente, não temos nenhuma parceria com ações comunitárias que não contam com estrutura mínima para o sigilo, ética, coleta, revelação e acolhimento. No entanto, tem o que acontece na cidade e o que é responsabilidade do Programa. Então, precisamos conversar com os outros órgãos federativos que tem autonomia para realizar ações. Solicitamos uma reunião com as ONGs que fazem testagem e os demais órgãos, no entanto o Departamento de IST, HIV, Aids e Hepatites Virais precisou cancelar em cima da hora.
Depois do resultado positivo, dado por uma ONG, como fica o processo de vinculação?
Marcos Blum: A pessoa será orientada a procurar um serviço de saúde para fazer o teste confirmatório, pois só fluido oral é teste de triagem. O tempo de chegada ao serviço vai depender do usuário, de como ele se sente com o resultado positivo e como foi o acolhimento dela, entre outros fatores. No serviço, ela vai fazer o teste confirmatório e colher exames de sangue que incluem CD4 e carga viral (CV). A coleta é feita pela enfermagem. O CD4, por exemplo, pode ser feito na mesma semana. Até a primeira consulta com o médico, dependendo da unidade, tem levado até quatro meses. No caso dos usuários em que os exames preocupam, como CV alta e CD4 baixo, o enfermeiro faz o pedido de encaixe para que ele seja atendido o mais rápido possível. Hoje, não chegamos a 100% de vinculação, perdemos no caminho, mas cerca de 80% dos casos positivos se vinculam aos serviços.
Nesse contexto como fica o trabalho com as pessoas em situação de rua?
Marcos Blum: Nós notamos, que em algum momento faltou interação com as redes existentes, mas nos articulamos com o Consultório na Rua. Durante o trabalho com as ONGs, elas nos mostraram a fragilidade de conseguir trabalhar na vinculação dessa população, por conta da realidade. Então, já pensamos na Secretária de Assistência e na do Trabalho para parcerias futuras.
O Programa tem estimativa de reduzir o tempo de espera para a primeira consulta?
Marcos Blum: Essa é uma questão importante para conversar com a assistência. Mas é uma preocupação, pois as pessoas querem se tratar. No entanto, estamos vivendo uma realidade que não começou esse ano. Os números de aposentadorias têm sido impressionantes e não têm sido organizados novos concursos para preencher as saídas dos profissionais. Estamos com déficit de recursos humanos. A Cristina Abbate [coordenadora do Programa] está tentando uma reunião com o Secretário [Wilson Pollara] para falar disso.
Projeto piloto de ampliação dos CTAs
De acordo com Elza, o Programa está desenvolvendo um projeto piloto de ampliação dos CTAs (Centro de testagem e Aconselhamento): “Não é transformar o CTA em um SAE [Serviço de Assistência Especializada], mas ampliar o papel para contribuir com o trabalho”. Conforme explicou, o projeto é que o usuário possa colher CD4 e CV e passe na primeira consulta com um médico no próprio CTA. “Em princípio, não é para todas as unidades, mas é um plano”, diz.
Durante a reunião, Marcos Blum informou ainda que o Programa está agendando uma conversa com todas as ONGs que trabalham com HIV/aids na cidade. A previsão é que ela aconteça no próximo mês.
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