A tuberculose (TB) é a doença que mais causa coinfecção em pacientes com HIV e a taxa de óbito na dobradinha destas patologias é de 20%. A infectologista Denise Arakaki, que foi nomeada ao cargo de coordenadora-geral do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) em 17 de março, sabe que este é um grande desafio de sua gestão. “Muitos pacientes ainda sofrem com o estigma e o preconceito que envolvem as duas doenças, o que pode retardar o diagnóstico para ambas”, diz ela, que aposta no desenvolvimento de novas tecnologias para prevenção, diagnóstico e tratamento. No Brasil, de acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, de 2005 a 2014, foram diagnosticados, em média, 73 mil casos novos de tuberculose (TB) por ano. Veja, a seguir, o que Denise Arakaki, que já foi assessora técnica de TB no PNCT e consultora nacional para TB na OPAS (Organização Panamericana da Saúde), diz sobre esse cenário, os desafios e as expectativas para a gestão que ela inicia agora.
Agência de Notícias da Aids: O que motivou a senhora a trabalhar com tuberculose?
Denise Arakaki: Minha motivação é a mesma de milhares de profissionais da saúde pública no Brasil, que acreditam num sistema de saúde justo, humanizado e universal com qualidade. Posso assegurar que minhas motivações são as mesmas dos técnicos do PNCT e de tantos outros que trabalham arduamente nos programas estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS).
Sendo a tuberculose um problema de saúde pública, quais os planos, principais desafios e expectativas de sua gestão?
Basicamente, o plano é manter a história bem-sucedida de enfrentamento da tuberculose realizada nos últimos anos, que possibilitou o Brasil atingir as metas dos Objetivos do Milênio de combate à doença com três anos de antecedência. Agora, a expectativa é aprimorar as ações para alcançar a meta de eliminação da tuberculose como problema de saúde pública até 2035.
O Programa teve cortes orçamentários? Se sim, eles vão impactar nas ações do Programa? De qual maneira?
Os recursos para tuberculose estão dentro do Piso Fixo de Vigilância em Saúde, recurso repassado mensalmente pelo Ministério da Saúde aos estados e municípios para o financiamento das ações de vigilância em saúde, o que inclui prevenção e controle da tuberculose, dengue, leishmaniose, chikungunya, vírus Zika, malária, entre outras doenças endêmicas no país. Esses recursos cresceram 39% (2010-2015), passando de R$ 924,1 milhões para R$ 1,29 bilhão neste ano. Cabe ao gestor local definir o quantitativo a ser usado para cada área. Além do piso fixo, a pasta conta com recursos específicos para tuberculose. Nesse sentido, o Ministério da Saúde liberou R$ 162,1 milhões em 2015. Desta forma, as ações do PNCT, planejadas para este ano, permanecerão sendo executadas, com o objetivo de nos aproximarmos cada vez mais da meta de eliminação da doença como problema de saúde pública até 2035.
No Brasil, a tuberculose é a primeira causa de morte entre as doenças infecciosas em pacientes com aids. O que é preciso fazer para melhorar essa situação?
Muitos pacientes ainda sofrem com o estigma e o preconceito que envolvem as duas patologias, o que pode retardar o diagnóstico para ambas. Acrescido a isso, temos dois tratamentos que devem ser rigorosamente seguidos pelo paciente coinfectado por pelo menos seis meses. Muitos deles ainda têm vulnerabilidades sociais que dificultam ainda mais o tratamento. Podemos levantar outras questões, que tornam evidente que tratar de ambas as doenças é quase uma corrida de obstáculos. Conhecer quais são eles para cada pessoa e ajudar a enfrentá-los é de extrema relevância. O desenvolvimento de novas tecnologias para prevenção, diagnóstico e tratamento certamente também podem mudar essa situação.
Os números de infecção pela TB multirresistente também têm aumentado. Podemos contar com alguma novidade terapêutica para atender esses pacientes?
Há várias iniciativas em curso nesse sentido, tanto no desenvolvimento de novos princípios ativos como de regimes terapêuticos de menor duração para os casos de tuberculose resistente.
Um estudo realizado pela Universidade Federal Fluminense em 2010 mostra que metade da população brasileira tem pouca ou nenhuma informação sobre a doença. Estudos também mostram que a maioria dos profissionais de saúde não sabem diagnosticá-la ou tratá-la. Como a senhora pretende, por meio do PNCT, trabalhar para que a informação chegue a essa população?
O PNCT trabalhou intensamente na última década no enfrentamento da doença. Na área de comunicação, tivemos várias iniciativas por meio de campanhas de massa com personalidades públicas (cantor Thiaguinho e o jogador de futebol Tiago Silva). Além disso, fizemos campanhas nas escolas públicas e para populações privadas de liberdade, voltadas para a coinfecção tuberculose/HIV; apoiamos tecnicamente organizações da sociedade civil que trabalham com educação em saúde, com conteúdo técnico, iniciativas de criação de canais de comunicação, entre outros. Também lançamos cursos à distância junto com a Universidade Aberta do SUS, tanto para tuberculose quanto para coinfecção TB-HIV para profissionais de saúde da atenção básica e especializada. Tenho confiança que esses números melhoraram, mas reconheço que ainda precisamos avançar mais. Queremos continuar trabalhando com as especificidades que as populações mais vulneráveis necessitam e com campanhas de massa. Vamos reforçar as ações com as universidades, sociedades de classe e organizações da sociedade civil.
Como a TB está atrelada ao fator de desigualdade social, que tipo de atenção é pensada para a população mais carente?
Nesse sentido, o Brasil tem protagonizado a discussão sobre a determinação social na tuberculose. Para exemplificar, o país foi o proponente da nova estratégia “Fim da Tuberculose” na Assembleia Mundial de Saúde em 2014, que foi acolhida e aceita por unanimidade pela ONU e que possui um forte componente de proteção social e cobertura universal.
É verdade que a tuberculose está entre as cinco principais causas de morte de mulheres no país? Por que isso acontece?
Essa informação não corresponde com o que consta no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. A tuberculose está listada como a 57ª causa de morte entre as mulheres. De acordo com o SIM, do total dos 4.374 óbitos por tuberculose registrados em 2014, cerca de 25% (1.110 pacientes) foram mulheres.
De maneira geral como reduzir os atuais indicadores? O país tem alguma meta?
Não há uma receita mágica, temos de continuar trabalhando diuturnamente na melhoria dos sistemas de saúde, na ampliação do acesso ao diagnóstico, na luta pela garantia dos direitos dos pacientes, no cuidado humanizado e com qualidade, no fortalecimento das parcerias com outros setores, entre outros aspectos. Como estado membro das Nações Unidas, queremos contribuir com as metas da OMS de eliminar a tuberculose como problema de saúde pública até 2035.
O que o Brasil já conquistou em relação ao combate da TB? Quais são os marcos do PNCT?
O Brasil alcançou as Metas do Desenvolvimento do Milênio para tuberculose. A conquista é resultado de uma série de ações desenvolvidas ao longo dos últimos anos, como expansão do diagnóstico, priorização das populações mais vulneráveis por meio de ações intersetoriais, e articulação com a sociedade civil. Em 2014, por exemplo, o Ministério da Saúde implantou a Rede de Teste Rápido para Tuberculose (RTR-TB), utilizando a técnica de biologia molecular PCR em tempo real. Desde então, foram distribuídos 160 equipamentos para laboratórios de 92 municípios. Estes notificam, anualmente, cerca de 60% dos casos novos de tuberculose diagnosticados no país. Para 2016, está prevista a aquisição de 70 novos equipamentos, com capacidade para realizar, inicialmente, 250 mil testes. Os diagnósticos serão distribuídos, de acordo com critérios técnicos e operacionais, para municípios brasileiros. Com a medida, o percentual de diagnóstico será ampliado para cerca de 75%.
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