quarta-feira, 1 de junho de 2016

ABGLT denuncia lei que veta a distribuição de livros sobre diversidade sexual nas escolas em município de MT



Na manhã desta quarta-feira (1), a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), enviou uma cartaao governo do Mato Grosso, órgãos da Justiça e entidades representativas da sociedade civil do estado, a respeito da lei 1624/2016, da cidade de Primavera Leste (MT) que “veta a distribuição de livros do Ministério da Educação e Cultura, sobre a diversidade sexual dos alunos”.
A carta aponta os índices de violência no país gerados por meio da discriminação e preconceito e solicita a revogação da lei. Leia abaixo:
ABGLT denuncia e solicita providências sobre Lei "draconiana" Municipal 1624/2016 da cidade de Primavera do Leste-MT
A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT – fundada em 31 de janeiro de 1995, é uma entidade de abrangência nacional com 324 organizações afiliadas e tem como objetivo a defesa e promoção da cidadania desses segmentos da população. A ABGLT também é atuante internacionalmente e tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas.
Assim sendo, vem acompanhando o cenário nacional e atuando em relação aos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Neste sentido, chegou às nossas mãos cópia da Lei nº 1624, de 16 de maio de 2016, do município de Primavero do Leste-MT (leia aqui), que “veta a distribuição de livros do Ministério da Educação e Cultura, sobre a diversidade sexual dos alunos”.
Em nosso entendimento, tal lei fere a constituição federal por restringir a liberdade de expressão (art. 5º, IX), além das disposições constitucionais sobre a educação (art. 205, 206), no que diz respeito ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Há um entendimento de que a educação é um elemento chave para promover mudanças culturais e sociais com a finalidade de diminuir as desigualdades e as violências, em especial as relacionadas às meninas e mulheres e às pessoas LGBT. Tal entendimento foi manifestado inclusive nas deliberações aprovadas pela Conferência Nacional de Educação Básica (2008) e pelas Conferências Nacionais de Educação de 2010 e 2014.
Os graves problemas sociais de discriminação e violência acima mencionados vêm sendo comprovados repetidamente através de estudos e pesquisas científicas, como exemplificado a seguir:
Segundo o Mapa da Violência 2012, “nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país acima de 92 mil mulheres, 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, que representa um aumento de 230%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres vítimas de assassinato no país”. O mesmo documento informa que apenas no ano de 2011, houve 70.270 atendimentos do sexo feminino por violências registrados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. O documento afirma também que este é apenas a ponta do iceberg e que há um “enorme número de violências cotidianas [que] nunca alcança a luz pública”. Ainda, 26% dos brasileiros acham que mulher de roupa curta merece ser atacada, segundo levantamento de opinião pública realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea);
De acordo com o Relatório Final da Comissão Inquérito Parlamentar Mista sobre Violência contra a Mulher (Brasília, 2013), em 2010 o estado do Mato Grosso estava em nono lugar entre as Unidades da Federação no que diz respeito à taxa de homicídios de mulheres (taxa de 5,5 homicídios por 100 mil mulheres, N=81). Segundo afirma o relatório, “isso demonstra a inexistência ou a ineficácia das políticas públicas de enfrentamento às violências contra mulheres”;
O “Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: ano de 2012”, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, revela que naquele ano houve 9.982 denúncias de violações dos direitos humanos de pessoas LGBT, bem como pelo menos 310 homicídios de LGBT no país. Não se trata de um ano atípico, e sim de um quadro que se repete todos os anos;
Entre diversos estudos sobre preconceito e discriminação em estabelecimentos educacionais, a pesquisa “Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar” (2009), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas / Ministério da Educação / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em uma amostra nacional de 18,5 mil estudantes, pais e mães, diretores(as), professores(as) e funcionários(as), revelou que as atitudes discriminatórias mais elevadas se relacionam a gênero (38,2%) e a orientação sexual (26,1%), entre outras.
Assim, inquieta-nos observar que o município de Primeira do Leste-MT veda a “distribuição de livros do Ministério da Educação e Cultura, sobre a diversidade sexual dos alunos”.
Salientamos que nossa inquietação neste sentido foi compartilhada pelo Conselho Nacional de Educação, em Nota publicada em 1º de setembro de 2015 (leia aqui), na qual “manifesta sua surpresa – pelas normas e orientações em vigor – e preocupação com planos de educação que vem sendo elaborados por entes federativos brasileiros e que têm omitido, deliberadamente, fundamentos, metodologias e procedimentos em relação ao trato das questões relativas à diversidade cultural e de gênero, já devidamente consagrados no corpus normativo do País para a construção da cidadania de segmentos específicos da população brasileira e sobre o qual não pode permanecer qualquer dúvida quanto à propriedade de seu tratamento no campo da educação”.
Assim sendo, solicitamos que sejam tomadas providências para que a Lei nº 1624, de 16 de maio de 2016, do município de Primavero do Leste-MT seja revogada.
Caso tal vedação não seja revogada, entendemos que o referido município deverá ser responsabilizado administrativa e criminalmente por eventuais discriminações e violências sofridas nos estabelecimentos municipais de educação em função do gênero, orientação sexual ou identidade de gênero das vítimas.
Outra medida sugerida é que o referido município fique impedido de receber recursos federais no âmbito da saúde, juventude e direitos humanos, uma vez que o Plano Plurianual da União 2016-2019 contém objetivos específicos nestas áreas em relação à promoção do respeito a gênero, identidade de gênero e orientação sexual.
Na expectativa de sermos atendidos, estamos à disposição para colaborar no que for possível.

Atenciosamente,
Carlos Magno Silva Fonseca                                       Toni Reis
Presidente                                                                 Secretário de Educação

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