quinta-feira, 2 de junho de 2016

“Mais do que nunca é hora de nós, médicos, lutarmos”, diz pesquisadora Valdiléa Veloso, no 9º seminário Hepatoaids



A incerteza quanto aos rumos da saúde pública, levando em conta o atual contexto político, tem gerado manifestações em diversos eventos da área. Não poderia ter sido diferente na abertura do 9º Hepatoaids, seminário que acontece desta quinta-feira (2) até sábado (4) no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo.
 Numa das primeiras mesas, Valdiléa Veloso, pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), foi aplaudida pela plateia de 800 pessoas, formada em sua grande maioria por médicos, ao convocar todos para lutar pelo direito de cada brasileiro à saúde. Em outra, o pesquisador Nilo Fernandes, também da Fiocruz, citou Fábio Mesquita, que se demitiu do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais,  alegando incompatibilidade com o atual governo.
Valdiléa substituiu no evento o francês JM Molina que, segundo o coordenador da mesa, o infectologista Paulo Abrão, não pôde vir por problemas de saúde na família. Ela falou sobre prevenção do HIV por meio da PrEP (profilaxia pré-exposição), o assunto de maior destaque no evento. Segundo o Ministério da Saúde anunciou no fim do ano passado,  a PrEP será adotada ainda em 2016.   
Depois de explicar como funciona o novo método de prevenção, mostrar os estudos em torno dele e os resultados que alcançaram, Valdiléa ressaltou: “Estamos vivendo um momento difícil, com o SUS ameaçado. Mais do que nunca, é hora de nós, médicos, que tanto brigamos pelo direito de cada pessoa à saúde, lutarmos pela continuidade desse direito e contra o golpe que está jogando no lixo o voto de mais de 50 milhões de brasileiros.”
Já Nilo Fernandes, que falou sobre como encontrar e proteger as populações vulneráveis ao HIV, pegou um trecho do texto assinado por  Fábio Mesquita em seu relatório de atividades à frente do  Departamento para chamar as pessoas à reflexão sobre o olhar dirigido a esses grupos.
“Não é possível imaginar, por exemplo, que as ações no campo das políticas dos direitos humanos, de combate à miséria, da luta pela igualdade racial e igualdade de gênero e orientação sexual não estejam alinhadas às iniciativas de promoção e prevenção para redução das novas infecções entre gays, jovens, pessoas que usam drogas, trans e outros segmentos mais vulneráveis. Tampouco é possível conceber que todo esse esforço pudesse ser realizado sem a participação de sociedade civil, gestores locais, academia, agências internacionais e outros parceiros em defesa de uma sociedade democrática e popular.”

Mais transparência e democracia nos consultórios
O tratamento dispensado pelos médicos aos pacientes mereceu considerações de alguns palestrantes do primeiro dia do seminário. “Precisamos descer do pedestal dos nossos consultórios para entender que as pessoas têm seu comportamento sexual”, disse Esper Kallás, infectologista, imunologista, pesquisador e professor livre-docente da USP (foto esquerda).
Kallás estava defendendo que não há uma medida de prevenção de DSTs/aids e, sim, várias. E quem trabalha com HIV tem de lançar mão de todas, respeitando o comportamento sexual de cada um. “Prevenção depende de abordagens complementares e simultâneas, sem preconceito. Só assim pode se chegar ao controle do vírus”, disse o pesquisador, ao defender a PrEP e a PEP (profilaxia pós-exposição).
“Os médicos tutelam muito a vida sexual dos pacientes”, criticou Valdiléa, também defendendo o acesso às novas tecnologias preventivas. “Eles modulam o tipo de informação que dão para determinar o tipo de comportamento que querem desses pacientes. Tem médico que não conta que, com carga viral indetectável, a pessoa dificilmente transmite o vírus só para obrigá-la a usar camisinha.”
A isso, Nilo Fernandes  deu o nome de “fundamentalismo do látex”. Quase todos os palestrantes bateram na tecla de que a camisinha tem se mostrado insuficiente, razão pela qual a epidemia persiste e que justifica a necessidade de se facilitar o acesso à PEP e adotar a PrEP. Todos ressaltaram que constatar esse fato não significa eliminar o preservativo do pacote prevenção.
“Ninguém aqui falou que uma tecnologia substitui a outra. Elas são complementares”, disse Beatriz Grisztejn, da Fiocruz, que falou sobre as futuras estratégias para a PrEP
“A camisinha continua importante dentro do conceito que estamos trabalhando, o da prevenção combinada”, disse Denise Lotufo,  da gerência de Assistência Integral à Saúde do CRT (Centro de Referência e Treinamento em DS/Aids-São Paulo).  Ela fez a defesa da expansão da PEP e reconheceu que há preconceitos em relação à dispensação da mesma dentro dos serviços de saúde. “Existe aquele julgamento ‘se veio atrás de PEP é porque fez coisa errada’. Eu brinco que isso é inveja, pois o funcionário pensa: ‘pô, eu estou aqui trabalhando, enquanto essa pessoa estava transando’.”
Para a pesquisadora da Fiocruz falta, por parte dos profissionais de saúde, empatia por pessoas que pensam diferente. “Por que nós, que somos pagos para cuidar da saúde da população, nos damos o direito de decidir quem vai ter isso ou aquilo?”  
Maria Clara Gianna, coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, que ancorou uma das mesas, lembrou que  muitos hospitais fazem a PEP profissional e não a sexual. “Se faz uma por que não faz a outra? É preconceito”, disse ela.
E Nilo citou, como outra forma de preconceito, a recusa de alguns profissionais em chamar o pacientes trans pelo nome de batismo em não pelo social, como deve ser. “A população vulnerável já é vista de antemão como alguém que vive com HIV.”

 Mais PrEP
“Com a inclusão do tema PrEP em diversas mesas, esse evento se alinha aos grandes congressos internacionais”, disse Valdez  Madruga, da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e coordenador do estudo PrEP no CRT. Ele agradeceu a Gilead pela doação do truvada, o medicamento usado na PrEP nessa fase de pesquisas, que estão sendo feitas com voluntários em São Paulo, no Rio, em Porto Alegre e Manaus.
Rearticulação de recursos
Primeira a falar na abertura do seminário, Eliana Gutierrez (foto abaixo), coordenadora do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, apresentou os projetos de combate ao HIV em andamento na cidade. Questionada se o município está preparado para adotar a tecnologia, respondeu que será necessário fazer uma rearticulação de recursos para tal.
“A PrEP só poderá ser prescrita por médicos. Há uma discussão se enfermeiros poderão prescrever. Precisamos identificar qual é a melhor maneira”, disse Eliana.
Coube a Sumire Sakabe, médica do CRT, abordar o tema HIV/tuberculose, a dobradinha que apresenta maior dificuldade de cura nos casos de coinfecção e, também, a mais difícil de ser diagnosticada.

O seminário segue até sábado (4) no Maksoud Plaza
Das 8 às 17h30 (sexta, 3) e das 8h às 12h (sábado, 4)
Alameda Campinas 150 - São Paulo - SP



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