Nesta quinta-feira (28), a Academia Nacional de Medicina faz, no Rio, um debate sobre o tema judicialização da saúde, muito discutido nos últimos tempos. Por conta disso, Rubens Belfort Jr. , professor titular de oftalmologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e vice-presidente da Academia Nacional de Medicina publicou, na "Folha de S. Paulo" de hoje, artigo propondo algumas reflexões. Para ele, a responsabilidade do governo tem de ser considerada no gasto de R$ 1,5 bilhão decorrentes de ações judiciais nos últimos anos, só na esfera federal. Leia:
A medicina no tribunal
A falta de efetividade da política de saúde cada vez mais leva indivíduos a procurarem na Justiça a obtenção de direitos garantidos na Constituição, mas não disponibilizados pela rede pública e pelos convênios médicos.
Essa judicialização da saúde é consequência da fragilidade do sistema, que não estabelece regras e diretrizes normativas, fazendo com que o cidadão recorra aos tribunais, em busca do direito que de fato possui ou julga possuir.
O desenvolvimento de novos fármacos e procedimentos diagnósticos e terapêuticos pressionam os sistemas de saúde em todo o mundo e também no Brasil, pois os órgãos responsáveis não conseguem incorporar e entregar ao cidadão o que já é disponível aos privilegiados com recursos próprios.
A ineficiência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do sistema de saúde governamental ficou patente com o caso absurdo da "pílula do câncer", quando o Congresso Nacional e a própria presidente da República desconsideraram a agência oficial de saúde, promulgando lei que autorizava o uso do medicamento. Felizmente, o ato foi suspenso, via judicialização, pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Apenas na esfera federal houve gastos de mais de R$ 1,5 bilhão decorrentes de ações judiciais nos últimos anos. Temos que solucionar esse problema, por meio de atividades políticas e sociais, e precisamos de apoio e parceria do governo.
Muitas vezes, os pacientes são bombardeados por informações de marketing e de sistemas inescrupulosos de ações legais que desequilibram as finanças e, com frequência, obrigam compras em escala menor e sem condições de negociação, comprimindo ainda mais os orçamentos de saúde e causando falta de recursos para outras situações.
No entanto, quase todos os que criticam a judicialização mudam de ideia ao encarar uma enfermidade grave. Quando privados de tratamento, passam a enxergar a questão sob novos ângulos.
Muito desse problema decorre do aparelhamento político de órgãos e conselhos de saúde, nos quais critérios médicos foram substituídos por proselitismo populista, sem estratégia adequada. É urgente reformular os três níveis de governança e estabelecer, por meio de diálogo efetivo, protocolos que norteiem e agilizem o setor, resgatando a credibilidade. A pressão social só tende a aumentar, tornando necessárias ações propositivas, com participação dos setores envolvidos. A importância dos médicos é capital para a produção e incorporação das informações, com transparência e sem corporativismo.
Todo o cuidado deve ser tomado para que picuinhas ideológicas não contaminem o ponto principal: a criação de um sistema, baseado em evidências científicas e nas condições socioeconômicas do país, que estabeleça o atendimento necessário e possível.
A Academia Nacional de Medicina, com a responsabilidade de seus 187 anos de existência, acredita ser imperiosa a adoção de critérios e normas que possibilitem a modernização de nosso arsenal terapêutico de maneira organizada e inteligente, com a utilização máxima de recursos financeiros e humanos.
Nesse sentido, a instituição vem chamando diferentes setores e lideranças nacionais para o debate da efetiva reorganização do sistema. Assim, nesta quinta (28 de julho), a academia realiza em sua sede, no Rio, um simpósio sobre judicialização da medicina, com autoridades de saúde e do judiciário.
Trata-se de um primeiro passo para outras reuniões de médicos com líderes da sociedade brasileira, visando estabelecer normas saneadoras e resolutivas.
Fonte : "Folha de S. Paulo"
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