segunda-feira, 11 de julho de 2016

Por que Rio Grande do Sul e Porto Alegre lideram as estatísticas da aids no país



O Rio Grande do Sul e a capital costumam aparecer nos rankings de novos casos e mortalidade por aids com recordes lamentáveis. De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, o estado apresenta a segunda maior taxa de detecção de aids no país, com 38,3 casos para cada 100 mil habitantes, quase o dobro da média nacional (19,7 casos por 100 mil). Só fica atrás do Amazonas (39,2). Em 2014, Porto Alegre foi a capital com a maior taxa de detecção: 94,2 casos por 100 mil habitantes, mais do que o dobro do índice gaúcho e quase cinco vezes superior à taxa brasileira. Quanto aos óbitos por aids, os últimos anos vêm mostrando uma tendência de queda, mas os números ainda são altos: o Rio Grande do Sul tem 10,6 mortes para cada 100 mil habitantes, e Porto Alegre, 28,3, quase cinco vezes acima do coeficiente nacional (5,7).
Ao longo dos 35 anos da epidemia mundial, o perfil dos pacientes foi mudando. No começo, as principais vítimas eram homens que faziam sexo com homens, hemofílicos e usuários de drogas injetáveis que compartilhavam agulhas. Depois o vírus passou a atingir mais fortemente as parceiras dos homens infectados. Com o tempo, houve uma heterossexualização, aumentando progressivamente o número de mulheres infectadas, e hoje é marcante a característica da vulnerabilidade: são as populações carentes e socialmente excluídas as mais suscetíveis à infecção por HIV, porque não se previnem de forma adequada, e à morte por aids, por não aderirem ao tratamento. As campanhas de prevenção, e mesmo as terapias, não conseguem alcançar esses grupos.
"Essas pessoas são vulneráveis para as doenças e para a morte. Como vão se tratar menos, se cuidar menos, a chance de morrerem também é maior. Estamos esperando que elas venham até o serviço, mas na verdade o serviço teria de procurá-las. Temos de saber como chegar a elas", reflete Eduardo Sprinz, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em relação à Região Sudeste, a epidemia no Sul começou mais tarde. Esta seria uma das razões apontadas por especialistas para os números locais ainda se mostrarem elevados – o ciclo continua em curso. A disseminação do uso de crack também se iniciou depois. Sprinz destaca que, neste momento, a população de vulneráveis – incluídos aí os dependentes de crack – serve como combustível:
"Crack e HIV andam juntos. São sinalizadores de que alguma coisa na sociedade e na saúde pública não está indo bem."
O epidemiologista Jair Ferreira faz um aparte: o crack, que é fumado, não transmite HIV, e as drogas injetáveis sim. Embora os consumidores de crack intensifiquem a infecção por via sexual, eles estão menos sujeitos à infecção causada por seringas e agulhas, tragicamente mais eficiente – numa única partilha de utensílios, o risco de contágio é muito superior ao de uma relação sexual. Assim, a pedra representaria também uma espécie de freio: com a propagação tardia do crack no Sul, a transmissão do vírus por substâncias injetáveis predominou por mais tempo, mantendo os índices de HIV/aids em alta.
Ferreira cita também outra possível causa para a liderança: aqui circula mais a cepa C do vírus, que seria mais infectiva (com maior capacidade de transmissão). Outras hipóteses já levantadas, segundo o médico, não encontram comprovação.
"Já se aventou que se notifica mais aqui. Não. A essa altura, não estamos notificando melhor do que São Paulo, Rio de Janeiro ou Paraná. Aqui se usa menos preservativo: não é verdade. Estudos mostram que a Região Sul é a que mais usa. Tratamos mal nossos pacientes: não é verdade. A letalidade de aids aqui é igual à do resto do Brasil, tratamos igual ao resto do Brasil, não é pior. Variação de parceiro aqui é maior: não é verdade também. O pessoal é mais ignorante: também não", enumera.
Mesmo em evolução, o ciclo da epidemia provavelmente já atingiu o seu clímax. Para Eduardo Sprinz, as próximas estatísticas devem começar a refletir mudanças graças à antecipação do tratamento – desde 2013, a recomendação no Brasil é que se inicie com os medicamentos logo após a confirmação da soropositividade, independentemente de as defesas do paciente estarem altas ou baixas.
"Com o tratamento mais precoce, diminui a quantidade de vírus circulando, e a chance de novos casos também vai diminuir", diz o infectologista.

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