o discurso de abertura da Olimpíada, Carlos Arthur Nuzman teve lá seu
ato falho: disse que Thomas Bach, o presidente do COI, sempre acreditou
no sexo dos Jogos. Era para ser “sucesso dos Jogos”, mas Nuzman talvez
não tenha se equivocado de todo. O sujeito poderia ser a Secretaria
Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, que pediu ao Ministério da Saúde 9
milhões de camisinhas, mais um chorinho de 500 mil, para abastecer a
cidade nesse período. Considerando que o Rio tem quase 6 milhões e meio
de pessoas, a conta pareceu superestimada. Confirmado que o chorinho de
500 mil foi destinado à Vila Olímpica, cuja população beira os 10 mil,
haja fôlego de atleta para tantas relações íntimas e pessoais.
A responsabilidade por tantos milhões recaiu sobre o Carnaval. Nos
quatro dias pagãos, o consumo local de camisinhas na cidade teria sido
de 2 milhões de unidades. Ao multiplicar os 500 mil preservativos
diários da festa por 18 dias de competição, a Secretaria chegou aos 9
milhões. Já a requisição das 500 mil unidades para a Vila – 400 mil
masculinas e 100 mil femininas – atendeu ao pedido do Comitê Organizador
da Olimpíada, que até ontem não havia explicado como calculara que cada
atleta encaixaria 50 transas na sua rotina de treinos e competições.
Nos Jogos de Londres, o estoque foi de 150 mil.
Adele Benzaken, diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites
Virais do Ministério da Saúde, informa que foi gasto R$ 1,170 milhão na
compra do lote masculino. E que a reposição dos dispensadores está a
todo vapor até então. No caso, dispensadores são máquinas distribuídas
na Vila, no Parque Olímpico e em outros pontos da cidade. Decorados em
tons de floresta, podem acolher até 100 camisinhas masculinas. O usuário
gira um botão pra lá e pra cá e, voilà, desce a proteção. Quem dera
houvesse tamanha eficiência na requisição e entrega de comida pelas
arenas do Parque, cujos espectadores têm passado à míngua em filas
brochantes.
Os preservativos masculinos foram feitos na estatal Natex, localizada
em Xapuri, no Acre, que nunca tinha desovado tantos preservativos para
uma única cidade brasileira. A Natex atende pedidos dos Estados do Norte
e do Centro Oeste mais a cidade de São Paulo. A primeira vez com o Rio
já veio nesse volume. Feito de látex extraído de seringais nativos, não
recebeu uma embalagem especial com os anéis olímpicos, mas sim um
envoltório verde em que está escrito “Vista-se”. Tem tamanho padrão: 52
mm de largura por 16 cm de comprimento, sem versão teen.
Decorativos
Na Vila, os dispensadores estão no restaurante, na policlínica, no
fitness center, nos banheiros ou bem perto deles. Os atletas se lembram
de ter visto pelo menos um dispensador, mas quase ninguém se lembra de
ter usado o seu conteúdo. “Vi, mas não peguei, senão vai ter problema lá
em casa”, disse o ginasta brasileiro Arthur Zanetti, cuja namorada
estava em São Caetano. O assédio é grande, afirma ele, mas
principalmente de voluntários atrás de selfies. Aliás, lá vinha mais um.
O atirador Felipe Wu também estava por ali, na fila do McDonald’s,
porém perdeu a mira quando perguntado do assédio depois de ganhar a
prata. Grudou o celular no ouvido, enquanto a namorada, a também atleta
de tiro Rosana Ewald, com quem divide o quarto e as filas, explicava que
o negócio é outro: “O foco é a competição”.
Na mesma linha foi o americano Logan Dooley, saltador de trampolim,
para quem é preciso priorizar as provas. “Depois, who knows?” Ele não
sabia da recomendação de seu comitê para trazer a própria camisinha,
algo que injuriou a farmacêutica Samara Aquino, da fábrica de Xapuri,
que destaca o selo ISO 9001 revalidado em 2011, a certificação do
Ministério da Saúde e as auditorias trimestrais do Inmetro sobre a
produção que gerencia. “Não teria por que estar falando isso, não.”
A italiana Margherita Panziera, do nado costas, diz não ser desse
tipo de pessoa que faz sexo com quem não conhece. E, de novo, poderia
perder o foco – e o namorado, que ficou em Roma. “Me parece estúpido
desperdiçar toda uma vida numa única noite.” Acha que a maioria vai
levar a camisinha pra casa como souvenir. A belga Lianne Tan, do
badminton, aposta que 500 mil é meio demais da conta e, se é para levar
souvenir do Rio, que seja algo da lojinha da Vila ou a medalha de ouro.
Já a argentina Yamila Nizetich, ponteiro no vôlei de quadra, que tomava
sol na praia improvisada da Vila, levou as mãos ao rosto: “It’s crazy,
tem tanto homem bonito aqui”. Então já usou a camisinha? “Not yet.”
Quem sabe aqueles russos cruzando o jardim seriam pegos em flagrante
no sexing: “Não precisamos disso agora.” Numa roda de quatro croatas,
todos da equipe de ciclismo, o mecânico Dumic mostra uma foto no celular
com um atleta usando uma camisinha… como chapéu. Estava inflada de ar.
“Pelo menos alguém abriu a embalagem”, diz um deles. Enfim Yoanas, da
equipe da Eritreia, deu a entender que sim, ok, yes, fizera uso da
prevenção. E ainda brincou: “500 mil é pouco”.
Poucos sabiam que é possível transmitir zika por via sexual. O time
de boxe do Cazaquistão, sim, sabia, e por isso andavam com uma pulseira
Relec no punho esquerdo, que espanta mosquito e pela qual pagaram US$
22. A americana Nicole Ahsinger, do trampolim, também tinha conhecimento
desse tipo de contágio, mas não exatamente do tipo de bicho que deveria
combater com o repelente que recebeu do comitê: “O mosquito é verde?”
Além da Vila
Fora da Vila, o sexo, digo, sucesso dos dispensadores pareceu grande.
Na Casa Brasil, espaço oficial do governo para divulgar o País e os
Jogos na Praça Mauá, o trectrec das três máquinas é constante. Os primos
Pinho, vestidos de cangaceiros, se sucederam no “assalto” ao
dispensador localizado na entrada do banheiro. Hiago Pinho, de 33 anos,
“achou da hora”. André, de 14, disse que usa desde sempre – e passou
pela cabeça como essa meninada anda precoce. Daniele e Alice, sobrinha e
tia, revelaram que, “se dependerem de homem na prevenção, estão
fritas”. A artesã Liz Baldraco foi taxativa: “Ou rola com camisinha, ou
não rola”. Os tenros Mateus Bigna, de 20 anos, e Riane Martins, de 19,
simplesmente usam. Mas o motivo vai além da aids: eles não querem mesmo é
ser pais. Nisso um moleque de seus 6 anos revolveu brincar com
trectrec, no que foi docemente repreendido: “Isso não é pra criança”. O
que é isso, pai? “É um negócio pra evitar que vocês nasçam.”
Para o sexólogo americano Richard Parker, presidente da Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids, o tanto de preservativo que o
Ministério da Saúde ofereceu na Olimpíada “é mais para mostrar serviço
em tempos de zika”. Mas que assim seja. “Que isso não pare nos Jogos,
que o governo espalhe para o Brasil inteiro e que conjugue isso com
campanhas dirigidas a públicos vulneráveis, já que as últimas foram
abortadas por pensamentos ultraconservadores.” A antropóloga Debora
Diniz, que lança no final do mês o livro Zika – do Sertão Nordestino à
Ameaça Global (Ed. Civilização Brasileira), entende que exagero é o
silêncio em torno da sexualidade e da segunda geração de mulheres que
adoeceram, engravidaram e acabaram de receber o diagnóstico de
microcefalia dos seus bebês. “Eu esperava que o mundo, ao olhar para o
Brasil na Olimpíada, entendesse um pouco mais dessa tragédia humana que
está em curso.”
Fonte : Estadão
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