Na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, banhada pelo rio Solimões, Tabatinga tem cerca de 60 mil habitantes e está entre os municípios do Amazonas com mais registros de casos de HIV/aids, depois de Manaus e Parintins. O acesso à cidade, a 1.105 quilômetros da capital, só se dá por barco ou avião, inclusive, o envio de amostras para exames usados no tratamento de pessoas com HIV. Por avião, o transporte, que era feito pela companhia Azul, ficou complicado desde 2011. Foi quando a Polícia Federal apreendeu um carregamento de cocaína dentro da caixa de isopor, junto com as amostras de sangue.
Por barco, a dificuldade é o tempo. Alguns exames precisam ser feitos em 12 horas e a viagem, via fluvial, dura seis dias. Se for numa lancha expressa, é possível fazê-la em 30 horas. Uma saída parece estar próxima e chega por meio Interfedarativa do Amazonas (Interfam), assim chamada a força-tarefa entre governos federal, estadual e municipal para combater a aids no estado, o segundo do país com mais registros de casos da doença – o primeiro é o Rio Grande do Sul.
Um laboratório, montado com recursos da Interfam, começa a funcionar ainda este mês em Tabatinga, segundo o coordenador do Programa de Aids da cidade, Arnoldo Ferreira Gomes Junior. Está atrasado, pois era para ter sido inaugurado em abril, de acordo com os profissionais que vão coordená-lo. “Mas dia 31 começaremos a rotina no laboratório”, festeja Arnoldo. “Terça-feira [dia 18] me ligaram da coordenação estadual solicitando o nosso endereço para entrega do equipamento que falta.”
O laboratório de Tabatinga vai beneficiar os moradores de nove municípios da região do Alto Solimões. “Hoje, todas essas cidades recolhem as amostras e enviam para Manaus via fluvial, correndo o risco de perdê-las. Com o laboratório, o acesso do paciente ao tratamento vai ser facilitado”, disse Arnoldo, na quarta (19).
Na foto, Arnoldo (coordenador do Programa de Aids de Tabatinga), Langinha (coordenadora do Programa de Benjamin Constant), Cristina Raposo, Anita Castille, Michael Kahane e Patricia Campos (da AHF) e a biomédica Mirian Mar (do laboratório)
Números da aids
De 2001 até setembro deste ano, 219 pacientes foram notificados com HIV/aids em Tabatinga. Destes, 155 estão em tratamento e quatro foram transferidos para outros municípios, segundo o coordenador. Ele ainda informou que em 2016 foram registrados dois óbitos em consequência da doença.
O que mais vem preocupando os profissionais de saúde locais e também a diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, a amazonense Adele Benzaken, são os números que não entram nos dados oficiais porque se referem a pessoas que vivem com HIV e não sabem. “Temos muitos casos de diagnóstico tardio, de pessoas que chegam superdoentes aos postos e hospitais e nem sabem que têm aids”, diz Adele. “Nosso grande desafio é ampliar o diagnóstico. E o segundo é vincular as pessoas aos serviços de saúde.”
Viva Melhor Sabendo
Uma das formas de enfrentar o desafio é o projeto Viva Melhor Sabendo que, assim como em Manaus, conta com o apoio da ONG internacional AHF (Aids Healthcare Foundation), com sede em Los Angeles (EUA) e atuação em 36 países. O projeto consiste em levar os testes rápidos até as populações mais vulneráveis, trabalho que cabe às ONGs desenvolver e, para isso, elas são capacitadas.
Em Tabatinga, a ONG escolhida para aplicar os testes foi a LGBTT, coordenada por Camila Cangalaya Matios. Na noite de 22 de setembro, a Agência Aids, que acompanhou a visita de uma equipe da AHF na cidade, saiu com os integrantes da entidade para uma ação de testagem – foram feitos 27 testes de fluido oral, nenhum positivo.
O cenário da testagem foi montado na Avenida da Amizade, que começa no Aeroporto Internacional de Tabatinga e termina dentro de Leticia, cidade da Colômbia. Ali, é onde acontece o agito noturno, com o intenso movimento de motos e tuk-tuks que vão e voltam, atravessando a fronteira. É também na Avenida da Amizade que ficam os bares e boates. Naquela noite, a maioria das pessoas que fizeram os testes era jovem, muitos deles estudantes saindo dos colégios das redondezas.
Além de oferecer os testes, os integrantes da ONG também distribuíram material com informações sobre DSTs, aids e hepatites virais. E camisinhas, claro. A população aceitou bem a abordagem e, em muitos casos, os jovens se aproximaram espontaneamente.
Parceria na tríplice fronteira
Sidneia Gardina Fregni, secretária municipal da Saúde de Tabatinga, contou que muitos colombianos e peruanos estão em tratamento no município. “Não tem problema. Aqui é uma região de fronteiras abertas, Leticia e Tabatinga são praticamente uma cidade só, então, nós tratamos todo o mundo.” Mas é preciso incluir muito mais gente, inclusive as populações indígenas, de tribos mais afastadas, com mais dificuldade de acesso. “E índio não tem o hábito de usar preservativo”, observa Sidneia.
Para fazer essa inclusão, o sonho de Sidneia é selar um acordo entre os três países (Brasil, Colômbia e Peru), que possibilite ações conjuntas. “Não adianta eu cuidar só da minha população”, ela defende.
Segundo Sidneia, a Colombia está receptiva ao acordo, mas o Peru não se manifesta. A médica Patricia Campos López, chefe da AHF no México, prometeu ajudar, já que sua ONG conta com representação no país. Também estavam na visita o chefe da AHF nos Estados Unidos, Michael Kahane, a diretora global de Recursos Humanos da AHF, de Los Angeles, Anita Castille, e Cristina Raposo, coordenadora da ONG no Brasil.
Benjamin Constant
A meia hora de barco de Tabatinga, Benjamin Constant é uma das nove cidades do Alto Solimões. Com cerca de 40 mil habitantes, conta com um programa de aids coordenado por Francislangela Garcia Haiden, a famosa Langinha. O SAE (Serviço de Atenção Especializado) da cidade funciona dentro da UBS (Unidade Básica de Saúde) onde fica o Programa Saúde da Família. Há outras cinco UBS em Benjamim Constant.
No SAE, são oferecidos testes rápidos, preservativos, antirretrovirais, inclusive a PEP (profilaxia pós-exposição). Desde 2005, foram notificadas 72 pessoas com HIV e, dessas, 36 estão em tratamento. “Mas o número é muito maior”, observa Langinha. “Muitos vão fazer o teste e se tratar em Tabatinga, alguns até em Manaus, porque temem a exposição.”
A população de HSH (homens que fazem sexo com homens), na faixa dos 18 aos 24 anos, é a mais afetada, seguindo a tendência mundial. Não por acaso, a ONG Associação Benjaminense de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis (ABGLBT) está sendo capacitada para fazer os testes rápidos logo mais, quando o projeto Viva Melhor Sabendo desembarcará na cidade.
“Vamos fazer a comunicação entre pares, falando com pessoas como a gente. Nossa ONG surgiu com a ideia de promover a união, falar de diversidade e lutar contra o preconceito”, diz Raymison Ferreira, coordenador da ABGLBT (de óculos, na foto, ao lado de Renê Lima)
Dados gerais
Acompanhando os dados gerais da doença no Amazonas, os casos na faixa de 15 a 24 anos estão mais de 80% concentrados na capital amazonense, que abriga a maior parte da população. Ainda, conforme o Boletim Epidemiológico, na sequência, vem os municípios de Parintins (2,4%), Tabatinga (1,9%), Itacoatiara (1,9%), Tefé (1,5%), Manacapuru (1,3%) e Benjamim Constant (1%).
Nenhum comentário:
Postar um comentário