sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O Globo’: Avanço da aids põe em xeque luta contra a doença no país


De vanguarda nos programas de prevenção e redução de danos, Brasil passa a ser referência negativa na América Latina. No Rio, 5 mil pessoas podem ter o vírus sem saber
Depois de empreender um bem-sucedido programa de redução de danos no auge da epidemia de aids que assustou o mundo no final do século passado, com inovadoras ações de assistência aos portadores do HIV (distribuição universal de coquetéis antirretrovirais, talvez a mais importante delas), o Brasil entrou numa preocupante contramão em suas políticas oficiais para o combate à doença. Na época, na vanguarda, o país tornou-se referência mundial, posição avalizada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e medida por indicadores positivos, com acentuadas quedas nos níveis de transmissão e óbitos.
Do avanço no front das batalhas contra a aids o Brasil passou à regressão. Seguidos levantamentos do Unaids, a agência das Nações Unidas para a doença, mostram que o retrocesso é exponencial. Entre 2010 e 2015, o crescimento do número de novos casos de portadores de HIV foi da ordem de 4%. Nesse período, o total de pessoas vivendo com aids saltou de 700 mil para 830 mil, um universo onde se registram 15 mil óbitos por ano (o Boletim Epidemiológico diz que são 12 mil).  A estatística do Ministério da Saúde, mais conservadora, registra que, entre 2000 e 2016, houve 634 mil notificações de infecção.
O salto para trás tem uma dimensão dramática: as infecções no país respondem por 40% do que é notificado em toda a América Latina. Mais do que o perfil de contaminação (a grande maioria entre a população de homossexuais masculinos), a faixa etária em que se concentram os novos casos (entre 15 e 24 anos) é uma pista segura para destrinchar o drama. São jovens que, mesmo tendo acesso a boas fontes de informação sobre a doença, não viveram o pavoroso flagelo do final do século passado. Eles são conduzidos a um relaxamento na prevenção pelo distanciamento no tempo de uma fase particularmente letal da epidemia, fator de um certo alheamento em relação ao potencial destrutivo da doença. Também ajudam neste descaso o aperfeiçoamento de tratamentos e a descoberta de novos e mais eficazes remédios inibidores do desenvolvimento dos sintomas e da evolução da Aids.
Esse comportamento ajuda a explicar indicadores como, por exemplo, o de que 5 mil pessoas podem estar contaminadas somente no Rio, sem saber que são portadoras do HIV. É uma estimativa da Secretaria Municipal da Saúde, divulgada em reportagem de “O Globo” de sexta passada. Essa percepção equivocada, desconectada da real dimensão da doença (que, mesmo temporariamente mitigada por medicamentos, ainda é incurável e mata), tem raízes também no relaxamento do poder público com ações de prevenção. O país reduziu investimentos em ações positivas de redução de danos, como distribuição de camisinhas, de seringas, e de remédios em larga escala.
O que se tem agora é a cobrança da fatura do abandono dos eficazes programas do final dos anos de 1990. Isso exige da sociedade, como um todo (órgãos públicos e população), esforço para reverter uma curva que, a crescer, conduzirá a novos surtos de uma tragédia por ora evitável.

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