segunda-feira, 15 de maio de 2017

MÃES ACOLHEDORAS: Lulu, uma mãe pela diversidade



“Uma família da diversidade”. Essa é uma das primeiras frases ditas por Ana Lucia Sousa, 51, mãe de uma filha heterossexual, uma homossexual e um rapaz transexual. Lucia é bem humorada, brincalhona e tem muito orgulho de seus filhos. “Oi, desculpa. Só um minuto”, empresária, mulher, mãe, esposa e entre tantas outras atribuições, Lulu, como prefere ser chamada, gentilmente atendeu a Agência de Notícias da Aids, por telefone, em um dos intervalos que teve durante o trabalho.
“Como é ser mãe de uma família da diversidade?”. Logo na primeira pergunta, Lulu começou a falar do amor incondicional que sente pelos filhos: “É simplesmente ser mãe, pois o que impera é o amor. Afinal, o que uma mãe espera quando põe um filho no mundo é que ele seja feliz e amado.”
Seus pais são do sertão da Bahia. Filha de pai alcoólatra e violento. Casou-se aos 19 anos com Mauro Augusto e com ele tem três filhos: Amanda, 30, Jéssica, 26 e Miguel, 21. Segundo conta, foi a experiência com a Jessica que a preparou para entender seu filho Miguel. Jessica Tauane é comunicóloga, youtuber e está a frente do Canal das Bee e Gorda de Boa.
“Eu sabia o que estava acontecendo com a Jessica. Eu sempre soube que ela é lésbica. Mas, somos muito católicos e ela achava que ia para o inferno. Teve depressão e queria virar freira. Foi quando eu a levei em um psicólogo”, lembra a mãe.
No entanto, a certeza sobre orientação sexual da filha só veio mais tarde, quando ela estava com 21 anos. “Quando eu percebi que era o momento certo, eu forcei a barra. Escrevi um bilhete para ela dizendo ‘dá para perceber que está doendo. Vem até mim que eu assopro’. Isso a encorajou e ela veio me contar.”
O filho transexual
Diferentemente do que aconteceu com Jéssica, Lulu não notou sinais no filho Miguel, pois também não tinha muitas informações sobre identidade de gênero e transexualidade. “O que pegou foi a igreja. Quem está no altar fala o que quer, mas não tem ideia do que é ter um filho nessa condição. A gente coloca um ser humano no mundo, mas tem que respeitar a individualidade dele”, aprendeu Lulu.
A mãe passou a perceber que o filho não socializava e vivia triste, mas acreditava ser da personalidade do rapaz. Até que ele teve depressão. Naquele momento, Miguel era tratado por todos de acordo com o seu sexo biológico (feminino).
Miguel sentia que algo não estava certo, mas não sabia o que era. Aos 15 anos sua depressão foi profunda. Na escola, por ser uma pessoa muito quieta e retraída, sofria bullying e olhares pejorativos. “Embora não pudesse, a pessoa responsável pela biblioteca me deixava comer lá. Eu só queria evitar aqueles olhares. Eu lembro que queria ser um dos meninos e nunca escondi que gostava de meninas”, diz Miguel.
Fonte do infográfico: site Repórter Unesp
Aos 16 anos, por meio do cosplay, uma atividade onde os participantes se fantasiam de personagens fictícios da cultura pop japonesa, vestido de um personagem masculino, foi a primeira vez que Miguel se sentiu bem diante dos olhares dos outros. “Todo mundo me tratava no masculino. Eu nunca tinha me sentido tão confortável. Eu não sabia que tinha algo errado com o meu corpo. Foi como usar óculos, você não sabe o quanto precisa até que coloca um”, compara.
Miguel achava que preferia roupas masculinas por conta da sua orientação sexual e não por causa de sua identidade de gênero. Depois disso, ele estudou e pesquisou sobre o que estava acontecendo. Quando teve certeza conversou com a mãe.
“Quando o Miguel veio falar comigo, meu marido ainda estava aceitando a orientação sexual da Jéssica. Ele também teve depressão. E eu tentando acertar, fiz tudo errado”, lamenta.
Lulu tentou contar ao marido por meio de hipóteses que a filha, na verdade, se identificava com o gênero masculino. No entanto, ela acreditava que o marido não suportaria a notícia e iria embora.
“Eu sinto muito arrependimento e não conto essa história. Mas sugeri que meu filho voltasse para o armário. Eu achava que a gente precisava de um tempo. Também cheguei a acreditar que era uma confusão da depressão. E o Miguel se silenciou. Eu silenciei ele.”
No entanto, Miguel não conseguia mais guardar o segredo e ser visto como uma garota. Desde que contou para a mãe, foram cerca de quatro anos se escondendo. Então, tentou o suicídio.
“Eu achava que se ninguém soubesse, mas eu o apoiasse, seria mais fácil. Se eu pudesse voltar atrás, eu faria tudo diferente. Fui egoísta, mas eu estava tentando salvar minha família. Não imaginava que causaria tanto sofrimento ao meu filho. Eu queria poder carregar toda aquela dor dele”, diz a mãe. 
Essa foi a terceira tentativa de suicídio do rapaz. Dessa vez, Lulu sabia o motivo. Quando recebeu a notícia, estava trabalhando. Em casa contou ao marido o que estava acontecendo e o motivo pelo qual o filho tentou se matar. E esse é um dos momentos que tanto Lulu quanto Miguel não esquecem:
 “Meu amor por você é incondicional”, envolvido em um abraço, essa foi a frase que Miguel ouviu do pai aquele dia.
Mudanças
Na foto, toda a família
Desde então, Lulu tornou-se a maior parceira de Miguel. “Ela entrou para o Coletivo Mães Pela Diversidade por minha causa. Tem se engajado cada vez mais e eu sei que ela se arrepende do que passou”, afirma o filho.
No começo Lulu teve ajuda do ativista João Nery, o primeiro homem trans a fazer uma cirurgia de mudança de sexo no Brasil. Seu primeiro contato com ele foi por meio de sua filha. “A Jessica tinha feito uma entrevista com ele. Depois, eu mandei inbox e ele me ajudou muito. Inclusive me colocou no coletivo”, diz.
Atualmente, Miguel está fazendo terapia e tratamento hormonal. Embora mais confiante, sente ansiedade social, por medo da transfobia.  “Hoje sou outra pessoa. Muito mais seguro, mas tenho muito medo de sair. Há alguns dias um caminhoneiro perguntou aos gritos, no meio da rua, se eu era homem ou mulher. Essas coisas nos fazem mal, mas minha mãe está sempre ao meu lado, me passando confiança”, afirma Miguel.
O apoio da família 
O apoio da família tem ajudado o rapaz a seguir em frente. Quando Lulu fala do filho, alguns detalhes são suas maiores conquistas: “As crises de riso que ele tem me enchem de alegria. Amo uma gargalhada que ele dá. Ele joga a cabeça para trás e até perde o folego de tanto rir. Teve um momento em que meu filho não quis viver e sofreu muito. Por isso que esses sorrisos são meus presentes.”
 Ela afirma que adora fazer os filhos passarem vergonha por causa de suas brincadeiras. Diz ainda que não é uma mãe tradicional, pois odeia cozinhar. Mas acredita que ensinou aos filhos o “caminho do bem e do mal com bom-humor”.
Aos pais que ainda não compreendem seus filhos, o rapaz aconselha: “Ouça o seu filho. Acredite nele. Se ela se identifica como menina, deixe o cabelo dela crescer. Se for menino, permita que ele corte. Esteja lá para ele. Tente entender o que ele precisa. Apoie e ame o seu filho. Se eu não tivesse o apoio da minha família, tenho certeza que não estaria mais aqui.”
Miguel não se considera ativista ou engajado em alguma causa. Mas tem sido procurado nas redes sociais por outras pessoas transexuais. Ele conversa e acolhe as pessoas que o procuram.       
Quando questionado sobre o que admira na mãe, Miguel, após uma breve pausa responde: “Eu amo o jeito e companheirismo dela. Ela consegue arrancar risos de todo mundo. O que mais me deixa feliz é ficar enroscado nela assistindo séries. Eu a admiro e gostaria que ela nunca mudasse. Ela é uma mulher negra e já enfrentou diversos preconceitos com muita garra. Ela tem força para encarar as dificuldades e esperança na vida. E, acima de tudo, tem uma fé inabalável”.     

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