“Faltando poucos dias para as Festas Juninas, segunda maior comemoração nacional, estamos trabalhando com estratégia de alerta nas ações de HIV/aids”, conta José Cândido, representante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids em Pernambuco (RNP+PE). Segundo nota emitida pelos Fóruns de ONGs/Aids do Estado de São Paulo (Foaesp) e do Rio Grande do Sul e pela RNP de São Paulo (RNP+SP), faltam camisinhas masculinas e testes rápidos de HIV em diversos municípios brasileiros. A Agência de Notícias da Aids entrou em contato com ativistas e gestores estaduais e municipais de diferentes regiões que confirmaram a denúncia. O Departamento de IST, HIV, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde informa que teve problemas com os respectivos fornecedores e que a situação está sendo regularizada.
“Desde a semana passada que o Foesp, a RNP+SP e o Fórum de ONG/Aids do RS vêm recebendo denúncias da falta de preservativos masculinos e testes rápidos para a detecção do HIV, tanto de ativistas do Estado de São Paulo e do Rio Grande do Sul, quanto das demais unidades da federação brasileira. Em algumas regiões do país os estoques de preservativos masculinos estão zerados. Em consulta informal feita com o movimento social de luta contra a aids nacional também verificamos que outros Estados estão com os mesmo problemas,” diz a nota.
A camisinha é considerada por especialistas o método mais eficaz para a prevenção do HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), além de evitar uma gravidez não planejada. Já a testagem rápida do HIV possibilita que o país amplie suas estratégias de prevenção e acesso ao diagnóstico precoce.
“O preservativo masculino está na base da política de prevenção ao HIV e a outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) no Brasil. Tanto quanto o preservativo, o teste rápido é pilar da política de implantação da prevenção combinada no país. (...) a falta destes insumos já vem afetando o trabalho de prevenção no enfrentamento à epidemia, o que impacta na resposta brasileira ao HIV/aids”, afirma outro trecho da nota.
Ações de prevenção nas festas juninas podem ser comprometidas
No Rio Grande do Norte (RN), o gestor Sérgio Cabral demonstra grande preocupação com as ações de prevenção durante as festas juninas. “O próprio Ministério que incentiva a testagem e distribuição de insumos, nos envia 30% a menos do que o necessário. Espero que isso seja solucionado, pois já devíamos ter começado as ações das festas juninas, mas em vez disso recuamos. Faz seis meses que estamos atendendo com medidas emergenciais. A gente tem muita preocupação com a população, mas ao mesmo tempo, temos dificuldade de atendê-la”, desabafa Cabral.
A fata de preservativos nos serviços também afeta diretamente o trabalho das ONGs/aids. O ativista Esdras Gurgel, representante da RNP+ no RN, diz que com a atual situação não é possível fazer grandes ações de combate ao HIV e assistência às pessoas soropositivas: “Nós vivemos um retrocesso nas políticas de assistência e prevenção. Por este motivo, temos que selecionar bem as ações que serão desenvolvidas. As instituições estão abastecidas, mas com estoque baixo. Há quase oito meses a cota periódica de insumos não é enviada pelo Ministério em sua totalidade. O estado pede 10 unidades e eles mandam 6, por exemplo”.
O ativista diz ainda que o serviço está desarticulado no Rio Grande do Norte: “Só não falta insumo porque as ações são cada vez menores. São 10 SAEs e dois hospitais de referência para todo o estado. Além disso, está difícil manter os CTAs. Com poucos serviços qualificados as pessoas procuram cada vez menos.”
Em Pernambuco, segundo informações do ativista José Cândido, representante da RNP+ no estado, o estoque não zerou, mas o motivo é semelhante ao apresentado por Esdras Gurgel: “Aqui na capital [Recife], por exemplo, tem apenas um SAE. O CTA que fazia cerca de 50 atendimentos por dia fechou para reforma e não abriu mais. Eles remanejaram o atendimento para o PSF [Programa Saúde da Família], que dos 50 pode atender apenas 15 por dia. Algumas pessoas voltam sem atendimento e outras nem vão aos serviços porque sabem que não serão atendidas”.
O coordenador do Programa de IST/aids de Pernambuco, François Figueroa, afirma que o estado não ficou desabastecido de preservativos ou testes, porque foi avisado pelo Ministério que haveria atraso no envio das camisinhas e troca do fornecedor dos testes rápidos de HIV. “Nós iniciaríamos uma grande campanha de prevenção, mas, como fomos avisados que receberíamos insumos a menos, adiamos essa estratégia. Para os locais que ficariam desabastecidos orientamos um remanejamento entre municípios”, explica. De acordo com Figueroa, o estado recebeu de 15% a 20% a menos dos insumos solicitados.
Em relação a capital, o coordenador municipal de IST/aids, Alberto Enildo diz que “a distribuição destes insumos à população é feita através das UBSs [Unidades Básicas de Saúde], sem qualquer restrição”.
Em relação ao CTA o coordenador explica que o serviço está em processo de requalificação para tornar-se um SAE: “Nesse processo, ele continua funcionando no mesmo endereço, com atendimento reduzido, devido ao improviso das instalações. Em média, 40 pessoas são atendidas, sendo 20 em cada expediente.”
Enildo afirma ainda que são distribuídos na cidade em torno de 347 mil unidades de preservativos masculinos e 9 mil femininos.
No Ceará, de acordo com o ativista Vando Oliveira, representante da RNP+ no estado, desde sexta-feira (9), tantos os CTAs (Centro de Testagem e Aconselhamento) quantos os hospitais de referência informam que as unidades não têm testes rápidos.
A assessora técnica do Núcleo de Vigilância Epidemiológica de DST/Aids e Hepatites Virais do Ceará, Léa Barroso confirma que o estado está trabalhando com estoque de emergia e, por isso, a prioridade é testar gestantes, mulheres em trabalho de parto (maternidade) e pessoas em situação de emergência. “A falta é do Ministério da Saúde, não é nossa. Nós recebemos um e-mail do Ministério avisando que por conta de uma troca de fornecedor tiveram problemas e por isso haveria uma redução”.
Faz cerca de dois meses que o Ceará tem recebido menos testes do que o solicitado para o Ministério, afirma Léa Barroso: “Nosso pedido no último mês era de 2.500 kits e recebemos apenas um mil. Tive que fazer mágica para não prejudicar a população e os serviços”. Por conta do reforço recebido no Carnaval, Léa diz que não houve falta de camisinhas e os municípios estão abastecidos.
No Rio Grande do Sul, algumas cidades já emitiram o alerta para a falta de preservativos. Antônio Carlos, representante da RNP+ no RS e da Comissão Estadual de IST/aids, conta que há pelo menos dois anos o estado está sem um coordenador de IST/aids. “Como que um país diz se preocupar com as políticas de aids, mas deixa faltar preservativos? Dessa vez é falta, mas o estado muitas vezes tem problemas de repasse”, diz Carlos.
Rebel Machado, diretora adjunta do Departamento de Ações em Saúde da Secretaria Estadual do Rio Grande do Sul, confirma que alguns municípios como Sapucaia do Sul estão sem estoque de camisinhas masculinas. “Aqui não falta teste, mas estamos desabastecidos de camisinhas. Sabemos que outros estados estão na mesma situação que nós e sem previsão de normalizar. Orientamos os municípios a se ajudarem,” comenta.
“No Maranhão são feitos 40 mil testes por ano,” afirma Miguel Ari, responsável pela logística dos testes rápidos no Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do estado. “Aqui também tivemos diminuição no abastecimento de teste rápido, mas fomos informados que haveria troca de fornecedor e o Ministério também não recebeu a quantidade total do pedido.”
No Brasil, após a realização do teste rápido de HIV, no caso de um resultado positivo é feito um segundo teste confirmatório utilizando insumo de outra marca, ou seja, teste de triagem e confirmatório.
“Como o teste que foi reduzido nessa cota é usado na triagem, trocamos as marcas para não faltar. Colocamos o habitualmente usado na triagem como confirmatório e o confirmatório para triagem. Isso não afeta a eficácia do resultado e não deixamos faltar nos municípios”, afirma Ari.
No estado de São Paulo, Rodrigo Pinheiro, presidente do Foaesp, conta que em Ribeirão Preto, cidade onde mora, não tem preservativo disponível.
A coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, Maria Clara Gianna, diz que o teste rápido de polpa digital recebido foi menor do que o solicitado, no entanto, o estado recebeu uma quantidade maior do teste de fluido oral.
“Segundo o Ministério, o fornecedor entregou de forma fracionada. Então o repasse foi feito dessa maneira também. Nós remanejamos a distribuição para os municípios com o intuito de minimizar os impactos, mas também priorizamos maternidade e gestantes” explica Maria Clara.
Em relação aos preservativos, a gestora conta que há dois meses o estado está recebendo quantidade menor. “O Ministério avisou que até essa sexta-feira (2) regulariza a situação. Como em São Paulo temos um sistema logístico descentralizado, a situação será normalizada rapidamente.”
Governo responde
Em resposta a carta emitida pelos Fóruns de ONGs/Aids e RNP+ SP, o Departamento de IST, HIV, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde enviou as entidades e a Agência de Noticias da Aids o seguinte esclarecimento:
“O processo de compra de preservativos masculinos ocorreu conforme o planejado para o exercício de 2017, tendo atraso na entrega por parte do fornecedor, considerando o não atendimento das orientações quanto a embalagem, obedecendo, assim, normas da Agência de Vigilância em Sanitária, órgão regulador. (...) Esclarecemos que objetivando a disponibilização deste insumo para a rede de distribuição nacional, no mês de maio foi encaminhado um total de 58 milhões de preservativos masculinos de 52mm, com a previsão de finalização das entregas até o próximo dia 06 de junho. (...) Quanto aos testes rápidos de HIV, informamos que o processo de compra foi concluído recentemente e a empresa vencedora da licitação fracionou as entregas iniciais e a distribuição nacional foi feita parcialmente levando em consideração dados de consumo, estoque local e média dos últimos ressuprimentos.” De acordo com o esclarecimento, foram encaminhados 853.015 mil testes rápidos de HIV para todo o Brasil. Até o próximo dia 7 (quarta-feira) será finalizada a distribuição.
A assessoria de imprensa do Departamento informa ainda que o quantitativo de preservativos e testes rápidos enviado é para o estoque mensal das regiões. Em relação às ações relacionadas às festas juninas, cada estado deve fazer a sua solicitação.
Diante da situação, Rodrigo Pinheiro sugere que seja retomada a conversa sobre equacionar o processo de compra: “Isso é crítico, pois também fomos informados sobre falta de medicamentos em alguns estados. Tem algum gargalo que precisa ser resolvido. Mas a gente vai continuar acompanhando. Com esse problema conseguimos ver que as pessoas realmente estão acessando os preservativos e de maneira nenhuma este insumo pode faltar.”
Dados nacionais de HIV/aids
Segundo o Boletim Epidemiológico 2016, 827 mil pessoas vivem com HIV/aids no Brasil. Deste total, 715 mil já foram diagnosticadas, 455 mil estão em tratamento com antirretrovirais e 410 mil com carga viral indetectável. Os dados mostram ainda que 112 mil pessoas vivem com HIV e não sabem. Só em 2015, foram notificados 32.321 novos casos. A transmissão vertical (de mãe para filho) caiu 36% nós últimos dez anos. Atualmente, a taxa nacional de infecção entre menores de 5 anos é de 2,5 por 100 mil nascidos vivos.
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