terça-feira, 25 de julho de 2017

IAS 2017: Com participação brasileira, saúde trans é debatida na 9ª Conferência Internacional em Ciência do HIV



A saúde das pessoas trans foi destaque na 9ª Conferência Internacional em Ciência do HIV, em Paris, nesta segunda (24).  A mesa coordenada pela farmacêutica Alícia Krüger, do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, em conjunto com a tailandesa Nittaya Phanuphak, chefe do Departamento de Prevenção da TRC-ARC (Centro de Pesquisa da Aids da Cruz Vermelha da Tailândia) discutiu a necessidade da mudança na referência médica para pessoas trans: da saúde mental para a saúde sexual.
Gail Knudson, presidente da Associação Mundial de Profissionais em Saúde Transgênero (WPATH), apresentou as articulações da entidade visando superar a visão médica, expressa em classificações oficiais, de que a transexualidade é uma doença. Segundo ela, a 5ª edição da publicação que é referência para diagnóstico da psiquiatria americana, o Manual Diagnóstico e Terapêutico (DSM), inclui a condição sob o termo disforia de gênero.
Outra lista amplamente utilizada é a Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial de Saúde, na qual a transexualidade também consta como um problema de saúde mental: transtorno de identidade de gênero. Segundo Knudson, a WPATH contribuiu para a 11ª edição da CID. "A nova versão está em consulta pública. A ideia é que se passe a usar o termo incongruência de gênero e que passe do capítulo de saúde mental para o de saúde sexual", declarou. Para ela, a expectativa é que a próxima edição do DSM também represente um avanço e não inclua mais a disforia de gênero.
Erin Wilson, do Departamento de Saúde Pública de São Francisco, contou que mesmo numa cidade onde há cinco clínicas de saúde trans, os resultados de saúde dessa população deixam a desejar.  "A questão é mais profunda. São barreiras estruturais como falta de acesso, transfobia, racismo e uma relação traumática com os serviços de saúde", pontuou.
Wilson ressaltou que é importante oferecer mais do que serviços clínicos e citou o exemplo de assessoria legal para resolução de conflitos que, em sua maior parte, são da esfera cível: "Isso contribui para que a pessoa tenha mais disponibilidade para se dedicar à saúde."
O pesquisador Asa Radix palestrou sobre os benefícios do acompanhamento clínico afirmativo de gênero. "Medidas como o tratamento hormonal melhoram a qualidade de vida e reduzem o estresse, além de impactar positivamente a adesão a outros tipos de acompanhamento, como o prevenção ou tratamento de HIV", afirmou.
Para a pesquisadora Tonia Poteat, existem lacunas importantes em pesquisa de saúde de pessoas trans. Ela citou uma rede de pesquisas que acompanha pessoas vivendo com HIV, em que não havia dados sobre a identidade de gênero. "A informação simplesmente não era coletada, o que impede a geração de conhecimento. Entramos em contato com os pesquisadores para que incluíssem dois dados: sexo definido ao nascimento e identidade de gênero".
Beatriz Grijnztein, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio, estava na plateia e também relatou dificuldades com dados. "Estamos fazendo um levantamento das pessoas trans atendidas em nosso serviço nas últimas décadas, mas tem sido difícil recuperar a informação da identidade de gênero dos usuários", lamentou.
Ao final, Gail anunciou o primeiro Congresso Brasileiro de Saúde Trans, que será realizado em São Paulo no mês de novembro. Maria Amélia Veras, pesquisadora da Santa Casa de São Paulo e uma das organizadoras, comentou a partir da plateia: "O congresso está sendo organizado por profissionais de saúde, pesquisadores e ativistas trans, que estão incluídos em todas as etapas do processo".
Alícia Krüger encerrou a mesa alertando: "Nós, pessoas trans, temos dificuldades de acesso a tratamento hormonal no Brasil. Isso vale especialmente para os homens trans, já que os hormônios masculinos só podem ser comprados com prescrição médica".
Durante a conferência também foram apresentados trabalhos em profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV em pessoas trans. Inês Dourado, da Universidade Federal da Bahia, demonstrou alta aceitabilidade da PrEP por mulheres trans e travestis em Salvador, e  Grijnstein apresentou resultados do estudo PrEP Brasil, mostrando que os usuários de PrEP tomaram a medicação corretamente e permaneceram no estudo até o final.

Carué Contreiras*, especial para Agência de Noticias da Aids, de Paris 

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