Comprovadamente, a profilaxia pré-exposição (mais conhecida como “PrEP”) é altamente eficaz na prevenção da aids para pessoas que não vivem com o HIV.
A PrEP pode ser muito útil para populações-chave e é administrada por meio de uma pílula feita de uma combinação de medicamentos.
Atualmente, ela está sendo implementada ou experimentada em diversos países, incluindo o Brasil. Rosalind Coleman, especialista em PrEP, conversou com o UNAIDS sobre o método.
UNAIDS: Como a implantação da PrEP no Reino Unido se compara à de outros países de alta renda?
Ronalind Coleman: O programa de PrEP do Reino Unido é o maior da Europa, em termos de número de pessoas que iniciaram a profilaxia pré-exposição. Mas as diferentes maneiras através das quais a PrEP é disponibilizada no país ilustra claramente que uma mesma estratégia de oferta de PrEP não se aplica a todos os países.
Na Escócia, a PrEP está disponível gratuitamente em clínicas de saúde sexual, para os residentes do país. Os compradores de nível nacional negociaram, com sucesso, um preço acessível para adquirir a PrEP.
Na Inglaterra, a PrEP não está disponível rotineiramente e os defensores deste direito, os fornecedores progressistas e outros que apoiam a disponibilização da PrEP, tiveram que ser engenhosos. Isso demonstra a importância dos defensores desses direitos e do papel fundamental da colaboração entre todas as partes interessadas na questão da PrEP.
Os medicamentos genéricos foram adquiridos a preços competitivos, por meio da realização de um grande estudo de pesquisa que disponibilizou a PrEP em clínicas de saúde sexual. Mas o estudo não tem sido capaz de fornecer PrEP a todas as pessoas que a solicitam, por isso a compra online no exterior também é um grande canal de entrada da PrEP no país.
As pessoas que compram online também devem ter acesso a suporte clínico, testagem e acompanhamento, que, juntos, integram um serviço de PrEP de qualidade.
UNAIDS: Você pode nos contar um pouco mais sobre a implantação da PrEP em países de baixa e média renda?
Ronalind Coleman: Para a implantação da PrEP em países de baixa e média renda temos um cenário misto. Houve um grande progresso no fornecimento de PrEP no sul e leste da África e em algumas outras regiões, como na Ásia (Tailândia e Vietnã) e na América Latina (Brasil).
Em outros países, particularmente naqueles com uma epidemia crescente de HIV, o acesso à PrEP é extremamente difícil.
Existe uma combinação de motivos para a baixa disponibilização da PrEP: o custo do programa juntamente à baixa atenção geral à prevenção primária do HIV certamente desempenham um papel nisso, assim como o estigma e a discriminação em relação à prestação de serviços apropriados para muitas das principais populações que poderiam se beneficiar.
O conhecimento insuficiente sobre a PrEP e até a desinformação entre potenciais usuários e fornecedores de PrEP também impedem a promoção deste método de prevenção.
Um planejamento muito claro e focado para o aumento da PrEP como parte de um programa integral de prevenção ao HIV é fundamental para a redução de novas infecções pelo vírus.
UNAIDS: O uso da PrEP é frequentemente associado a populações-chave, como profissionais do sexo, gays e outros homens que fazem sexo com homens, mas pode ser útil em outros contextos?
Ronalind Coleman: Para que um programa de PrEP seja eficaz, a profilaxia deve ser adotada por pessoas com uma probabilidade real de contrair o HIV e que desejam assumir o controle de reduzir essa possibilidade — geralmente membros de populações-chave.
Mas qualquer pessoa com uma grande perspectiva de exposição ao HIV deve poder discutir e ter acesso ao uso da PrEP. Isso pode incluir uma pessoa que não vive com HIV e seja parte de um casal sorodiferente – ela pode se beneficiar da PrEP antes que a pessoa vivendo com HIV alcance a supressão viral; ou alguém com um diagnóstico prévio de uma infecção sexualmente transmissível (IST) que testemunhe uma alta taxa de HIV não tratado entre seus parceiros sexuais.
Além disso, permanecer na PrEP durante um período potencialmente alto de exposição ao HIV é vital mas, ao mesmo tempo, depende da convicção pessoal de tomar a PrEP, de um bom entendimento sobre como usá-la, ou de como interromper seu uso, além da facilidade de acesso.
A transmissão da mensagem da PrEP deve ser feita de maneira não estigmatizante e empoderadora, desde a divulgação pública até a atitude dos profissionais de saúde – isso fará toda a diferença para uma adoção eficaz e uma continuidade na profilaxia.
UNAIDS: Houve alguns questionamentos sobre a PrEP contribuir para o aumento de IST, como sífilis e gonorréia. Existe alguma evidência para isso?
Ronalind Coleman: O elo entre o uso da PrEP e o aumento de outras IST que não o HIV é um tópico importante. Essa discussão não deve se tornar um motivo para reduzir o acesso à PrEP. Em vez disso, deve-se identificar e incentivar melhores serviços de saúde sexual integrais para prevenção, identificação e tratamento de todas as IST. Deve fazer parte da oferta da PrEP também uma discussão acolhedora sobre prevenção e risco de IST.
A revisão sistemática mais recente confirmou que a taxa de IST já era alta entre as pessoas que solicitam a PrEP, o que é esperado, e confirma que as pessoas que solicitam a PrEP estão fazendo sexo sem preservativo.
A incidência de IST também é alta para pessoas que já fazem uso da PrEP. Se essa alta incidência se deve a alterações no comportamento sexual ou a uma melhor detecção de ISTs (porque as pessoas estão passando por testes de IST com mais frequência como parte de um programa de PrEP), ainda não está claro.
De qualquer forma, a mensagem final é que as altas taxas de ISTs encontradas entre as pessoas que usam a PrEP apontam uma necessidade não atendida de prevenção, diagnóstico e tratamento de ISTs.
Dessa forma, a oferta de PrEP é um caminho para o desenvolvimento de uma assistência médica mais ampla, e uma oportunidade para reduzir a incidência de ISTs. Isso é um fato entre todas as populações que usam PrEP.
UNAIDS: Então a PrEP é um divisor de águas na resposta ao HIV?
Ronalind Coleman: Atualmente há muita atenção, recursos financeiros, intelectuais e esforço físico direcionados à PrEP em muitos contextos, incluindo pesquisas sobre futuros métodos de entrega (injeções ou anel vaginal, por exemplo) que podem aumentar a escolha, a captação e a continuidade do uso da PrEP.
Se esses esforços estiverem ligados a uma melhoria em toda a oferta de serviços de HIV (prevenção primária, testes e tratamento) e sua integração com outros serviços de saúde, como saúde sexual e assistência à saúde mental, a PrEP poderá ter um impacto maior, para além da prevenção individual da infecção pelo HIV.
No entanto, é imprudente relaxar e pensar que a PrEP, sozinha, mudará o jogo.
Fonte: ONU Brasil