As novas recomendações do Ministério da Saúde para o exame CD4 entraram mais uma vez na pauta da Reunião do Foaesp (Fórum de ONGs/Aids de São Paulo) nesta sexta-feira (11). Os ativistas não concordam com a decisão do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais de reduzir a indicação do exame de CD4 apenas para casos específicos. O exame não é mais indicado, por exemplo, para pacientes estáveis, em tratamento, com carga viral indetectável e contagem de LT-CD4 acima de 350 células/mm3. Segundo o Protocolo Clinico de Diretrizes Terapêuticas, a realização do exame não traz nenhum benefício ao monitoramento clínico-laboratorial, que deve ser feito a partir de uma avaliação precoce de falha virológica, caracterizada por dois exames sequenciais de cargas virais detectáveis.
O CD4 é usado para avaliar o sistema imunológico do paciente e é geralmente combinado com outro teste, o de carga viral, que dá informações sobre a quantidade de HIV no organismo. Até pouco tempo, era levado em consideração para definição do início do tratamento com medicamentos antiaids. Depois de o governo liberar a indicação dos remédios para todos pacientes, independentemente da quantidade do vírus, o exame passou a ser considerado menos importante.
"Não há consenso entre especialistas de que essa é a melhor decisão. Nos Estados Unidos, se o paciente tiver dois exames de CD4 acima de 500, o exame pode ser opcional, o que é bom, assim o médico decide se é importante ou não fazer. Aqui, se o paciente tiver dois exames consecutivos de CD4 maior do que 350 células/mm3, feito com pelo menos 6 meses de intervalo, o exame não é pedido. Nossa proposta é de que seja garantido pelo menos um exame de CD4 ao ano", disse o professor e pesquisador Jorge Beloqui, do GIV (Grupo de Incentivo à Vida). "O governo precisa levar em conta que para as pessoas com HIV saber seu estado imunitário e muito importante", completou.
Ainda, segundo Beloqui, os laboratórios no Brasil já foram instruídos a rejeitar a mostra de exame se o paciente não estiver nos critérios do Ministério da Saúde.
"Em São Paulo não estamos descartando nenhuma amostra de exame. Claro que temos um protocolo e vamos seguir, até mesmo para garantir que pacientes que realmente necessitem do teste tenham acesso. Mas é preciso entender que o CD4 é um exame que caiu na rotina, muitas vezes um paciente tem CD4 altíssimo há anos e mesmo assim continuamos pedimos o exame no automático, já que vai fazer carga viral, já faz CD4 também", explicou a infectologista do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, Milva Fonse. "Tecnicamente, a decisão do Ministério não gera prejuízo para o tratamento, já há pesquisas que comprovam isso", argumentou.
"Acho que a senhora não pode falar tecnicamente, até mesmo porque não há consenso internacional sobre isso. É realmente muito triste ouvir a confirmação de que o exame não será feito em alguns casos para não faltar para quem precisa", rebateu Beloqui.
O presidente do Foaesp, Rodrigo Pinheiro, aproveitou a deixa para criticar o Programa Estadual: "Esse Programa já foi mais ativista e questionador. Vocês não colaboravam com este tipo de recomendação. Essa é uma pauta prioritária para nós em São Paulo e vamos cobrar mais explicações."
Sífilis
O aumento de casos de sífilis em São Paulo também foi tema da reunião. O presidente do Foaesp quis saber qual é o motivo que tem levado o aumento dos casos no estado. Entre 2008 e 2014, a sífilis em adultos aumentou sete vezes, de quase quatro mil para mais de 25 mil casos.
"Realmente nunca vi tanta sífilis, há mais de 20 anos venho alertando que chegaríamos neste momento. A boa notícia é que hoje não está em falta a penicilina benzatina, medicamento usado no tratamento da sífilis em adultos e gestantes", disse o infectologista Valdir Pinto, dos Programas Estadual e Municipal de DST/Aids.
No entanto, Valdir faz um alerta para o baixo estoque de penicilina cristalina, usado no tratamento da doença em bebês. "Ainda temos o medicamento, mas não há nenhum laboratório fabricando e o estoque pode acabar. Estamos preocupados", disse.
A sífilis é transmitida por relação sexual sem camisinha com uma pessoa infectada, por transfusão de sangue contaminado ou de forma congênita, da mãe com sífilis para o bebê durante a gestação. Em adultos, num primeiro estágio, a doença provoca feridas nos órgãos sexuais e manchas vermelhas pelo corpo. Num estágio avançado, podem vir: cegueira, paralisia, doença cerebral e problemas cardíacos, podendo, inclusive, levar à morte.
"Acredito que o governo abandonou a estratégia do ‘use camisinha’. Não vemos nenhuma campanha de incentivo ao sexo seguro nas mídias. Nas próprias unidades de saúde o acesso ao preservativo ainda é com barreiras, a população não tem nem informação de que há camisinha gratuita no serviço público", afirmou Rodrigo Pinheiro.
A coordenadora-adjunta do Programa Estadual, Rosa Alencar, contou que no ano passado o governo estadual decidiu não lançar nenhuma campanha sobre sífilis porque a penicilina benzatina estava em falta. "Para 2016, já temos uma campanha que será lançada em abril. A peça foi criada pelos alunos da Metodista [faculdade] e o foco é a camisinha e o sexo seguro."
“A sífilis é uma das causas da microcefalia e ninguém está se dando conta disso", finalizou Rodrigo.
Tuberculose
Os ativistas de São Paulo também estão preocupados com o desmonte do Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde. Desde novembro de 2015, o programa está sem coordenador, o médico Draurio Barreira deixou a coordenação, e o MS não se manifesta a respeito. (Saiba mais)
"Há boatos de que este programa será incorporado ao Departamento de Aids e isso é preocupante. A tuberculose merece atenção especial. Hoje, no Brasil, morrem mais de 5 mil pessoas ao ano em decorrência dessa doença", contou Rodrigo Pinheiro.
Essa foi a segunda reunião do Foaesp em 2016 e a próxima já tem data e local marcado: 8 de abril, em Bauru (SP).
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