sexta-feira, 11 de março de 2016

Em evento paralelo na ONU, ABIA denuncia indústria farmacêutica por atacar medidas de proteção da saúde


Grupos da sociedade civil do Brasil e da Argentina  realizaram nesta sexta-feira (11) um evento paralelo na 31ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), em Genebra,  para anunciar a campanha denominada “Corporações farmacêuticas: Larguem o caso”. A campanha demanda o abandono de casos judiciais iniciados por associações de empresas transnacionais farmacêuticas em ambos os países. Tem  intuito de desmontar regulações locais consideradas importantes medidas de defesa da saúde. Uma petição global será lançada em três idiomas nas páginas: redlam.org ou www.deolhonaspatentes.org.
 Nesse  evento paralelo, chamado “ Vancouver e TRIPS 20 anos depois: Barreiras para o acesso a medicamentos hoje”, a ABIA                                                 
( Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids ) foi representada por Marcela Vieira e Pedro Villardi, coordenadores do GTPI (Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual).
“O evento foi positivo e aconteceu num momento estratégico, pois estava inserido em dois processos que hoje estão em destaque no Conselho de Direitos Humanos da ONU: o Painel de Discussão de HIV/AIDS que aconteceu hoje pela manhã em Genebra e a criação de um mecanismo vinculante para punir empresas transnacionais por violações dos direitos humanos, cujo processo está em curso”, contou Pedro Villardi.
 Além disso, junto com a ABIA/GTPI, participaram Carlos Correa, um dos maiores especialistas no mundo em propriedade intelectual sobre o prisma dos direitos humanos. “Ao final do encontro, lançamos a campanha internacional que, no Brasil, tem o slogan  ‘Interfarma, largue o caso’. Nosso objetivo nesta campanha é ressaltar que precisamos proteger os pacientes e não as patentes”, finalizou Pedro Villardi.
 De acordo com Marcela Vieira, o objetivo do evento é evidenciar que muitos dos objetivos globais de saúde que estão sendo promovidos pela ONU, como o fim da aids como epidemia até 2030, só poderão ser atingidos quando barreiras sistêmicas ao acesso a medicamentos forem devidamente enfrentadas.

“O sistema de patentes está falhando com as pessoas, ele favorece os interesses das corporações acima dos interesses da saúde pública. O sistema se tornou uma máquina de monopólios intermináveis sobre medicamentos essenciais, uma máquina de violações do direito à saúde. O que vemos no Brasil e na Argentina é que mecanismos criados para colocar um limite em abusos de patente estão sob ataque, então o direito à saúde está ainda mais vulnerável”, disse Marcela Vieira.
 
Lorena Di Giano, Diretora Executiva da Fundación Efecto Positivo (FGEP), Coordenadora-Geral da RedLam e co-organizadora do evento considera que os ataques judiciais no Brasil e na Argentina precisam de mais visibilidade das agências internacionais. “Esses ataques são um grave sintoma da profunda crise que vivemos hoje. As empresas representadas pelas associações que estão realizando esses ataques – CAEME na Argentina e Interfarma no Brasil – não usam o sistema de patentes em prol da inovação e sim para bloquear a concorrência e levar sistemas de saúde à falência”, diz Di Giano.
 
A OMS estima que as mortes de cerca de 18 milhões de pessoas, um terço de todas as mortes da humanidade, são causadas por condições médicas que poderiam ser tratadas ou curadas. Uma razão primária para essas mortes evitáveis é a falta de acesso a tratamentos efetivos a um preço baixo.
 
Alto preço
 
O alto preço de medicamentos não é uma barreira para o acesso apenas em países de renda baixa e média, mas também em países de renda alta. O exemplo que está na ordem do dia é o novo medicamento usado para tratar a Hepatite C, chamado sofosbuvir (sovaldi ®, Gilead). O preço é tão alto que muitos países da Europa não o disponibilizaram em sistemas públicos de saúde, como foi o caso do Reino Unido. Na França, pela primeira vez o preço de um medicamento levou ao racionamento do tratamento no país.

Pauline Londeix, co-fundadora e coordenadora da ONG “Acess”, baseada na França, e uma das participantes do evento paralelo disse: “Os preços de medicamentos estão tão altos que estamos nos aproximando do ponto em que nenhum país do mundo vai ser capaz de oferecer acesso universal para sua população sem colocar a sustentabilidade dos sistemas públicos de saúde em risco.”
 Tanto o Brasil como a Argentina possuem sistemas de saúde públicos e universais, que fornecem medicamentos  grátis para todos. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de pessoas mantendo um sistema público de saúde.
“Esses países precisaram garantir preços sustentáveis para medicamentos e criar critérios e procedimentos rigorosos para o exame de patentes na área farmacêutica. Como resultado, ambos os países conseguiram bloquear diversas patentes imerecidas, garantindo concorrência de genéricos e reduções de preço importantes para medicamentos essenciais”, informa a ABIA.
 
Entretanto, Interfarma e Caeme, associações de empresas farmacêuticas transnacionais ingressaram com ações na justiça em 2014 e 2015 em busca da anulação desses mecanismos. Se os Tribunais julgarem a favor das empresas, destaca a ABIA,  milhões de pessoas nesses países podem ficar sem acesso a medicamentos genéricos de preço baixo. Os impactos em programas de acesso universal a medicamentos e nas contas públicas podem ser dramáticos.
 
Segundo a ABIA, de acordo com investigação conduzida pela Comissão Europeia e com foco na indústria farmacêutica, governos europeus e consumidores pagaram cerca de 3 bilhões de euros em excesso entre 2000 e 2007 (em relação a 2019 medicamentos) por causa de abusos  no exercício de direitos de patente.
 
“Empresas atacam nossas medidas de proteção à saúde dizendo que fazem isso para proteger suas patentes. Então eu pergunto quem está protegendo as pessoas? Os direitos humanos não estão sendo aplicados para proteger as pessoas de abusos de patentes, é hora de mudar isso antes que percamos todas as nossas conquistas relacionadas ao direito à saúde”, afirma Di Giano.

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