Começou, nesta quinta-feira (7), o curso Participação Juvenil, Ativismo e Direitos Humanos em HIV/Aids no Estado de São Paulo, destinado a adolescentes e jovens, com idade de 15 a 29 anos que residem no estado. Após a abertura do evento, os participantes contaram com a presença do cantor e compositor Liniker, um dos artistas que compõem a agenda cultural do curso. O cantor também faz da musica um instrumento de militância.
“A gente não pode militar só por uma coisa. A gente tem que militar juntos. Dar-nos força, amor e apoio. Não dá pra andar só. Eu falo da minha questão de gênero e da minha sexualidade. Eu também faço parte do meio LGBT. Estar aqui, nessa causa de tanta avalia social, é muito importante”, disse o artista. Liniker despontou no final de 2015 e seus videoclipes no Youtube já ultrapassam 1 milhão de visualizações.
“Todos os artistas vieram pela militância, pela causa”, contou Aline Ferreira, membro da Rede de Jovens SP+ que, durante a abertura do evento, emocionou os participantes com o seu relato: (clique aqui para assistir)
“Meu sangue é vermelho, como vermelha é a liberdade! Quis os oxirás ou o universo, por birra, que esse sangue nascesse com HIV. Este vírus que grita a deficiência de alguns humanos em serem humanos, que denuncia o desrespeito às liberdade individuais, que assassina por puro gozo machista. Meu sangue é vermelho, como era o da minha mãe, quando esta caiu doente e gritou que a esperança que eu sobreviveria. Ninguém acreditou. Era só uma ‘preta louca’ gritando qualquer coisa,mas o HIV do meu sangue era mesmo de Nair, e segue sendo como o de Elisas, Helianas, Rafaelas, Micaelas. Sangue que antes do HIV é sangue vermelho de mulher! Sangue que conta a história de luta, de força, de resistência. Eu tenho orgulho do meu sangue vermelho. O mesmo que corria nas veias Aqualtune, quando ela liderava seu povo guerreiro. É o mesmo sangue de Dandara e Tereza. O mesmo bombeado pelo peito apaixonado de Chica da Silva que sambou na cara da sociedade hipócrita. Meu sangue é vermelho.E se estou viva é porque vieram muitas antes de mim, de punhos erguidos, com armas e garras. Sem temer o sistema, o Estado, o patriarcado e o racismo. E muitas depois de mim lutarão, porque o nosso sangue é vermelho, como vermelha é a liberdade! E eu tenho orgulho disso...”
Importantes representações do movimento de aids prestigiaram o primeiro dia do evento. Veja o que disseram os convidados que participaram da mesa de abertura:
Cláudio Pereira, presidente do Grupo de Incentivo à Vida (GIV) e membro do Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo (Foaesp), relembrou ações realizadas com a juventude, que deram alicerce para o inicio da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV (RNAJVH), e chamou atenção para a importância dos jovens ocuparem os espaços para o diálogo. “É importante fazer ativismo na internet, mas também é preciso ocupar os espaços físicos”, disse Cláudio.
Renan Moser, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+), espera que os participantes do curso possam ir além daquilo que foi proposto na programação: “Devemos aproveitar nossos conhecimentos extra institucionais como rodas de conversa, passeios pela cidade, troca de diferentes experiências que trazemos das nossas unidades básicas de saúde e dos territórios que vivemos. Estes são espaços igualmente importantes para esse curso. Somente com um panorama de nosso contexto é que poderemos trabalhar em rede. Somente através dela é que poderemos lutar por equidade na saúde. Discutir essa equidade de acesso na saúde, é discutir nossa vivencia cotidiana de viver com HIV/aids”.
Da coordenação do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, a infectologista Rosa Alencar contou que foi por meio do trabalho com a aids que ela se tronou uma pessoa e profissional melhor. Segundo a infectologista, este curso ajuda a ampliar a participação dos jovens na resposta paulista a epidemia de HIV/aids e isso impacta diretamente em uma resposta nacional. Além de fortalecer a Rede de Jovens de São Paulo. “Queremos ouvir o que vocês têm a dizer. Precisamos de mais caminhos para nos aproximar dos jovens, tanto para que ele não se infecte, quando para cuidar de uma maneira mais humanizada do que se infectou”, afirmou a infectologista.
Representando o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, aos 52 anos, Silvia Almeida já vive com HIV há 20. A ativista descobriu seu diagnóstico após seu marido adoecer em decorrência da aids, em 1994. Dois anos depois, ele morreu e ela decidiu que aprenderia a viver com o vírus HIV. “Nos final dos anos 1980 e inicio dos 1990, era muito mais difícil do que é para vocês hoje. Mas a aids também trouxe muita coisa boa, tirou muita gente do armário, emponderou muitas pessoas, contribuiu para o fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde). Ela é uma caixinha que quando você abre, não sai só coisa ruim. Sai amor, amizade, carinho, diferença, aprendizado, parceria e crescimento. Então, aprendam a se conhecer, entendam o que vocês tem de melhor, vão atrás de crescer, botar a cara a tapa. No inicio da epidemia, a gente sofreu muito por causa do preconceito e falta de informação. Hoje, eu torço muito para que novas redes surjam e que a gente tenha muito mais protagonismo”.
Jonatan Finkler, da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV, está no movimento de aids há cinco anos. Ele lamentou as mortes que ainda acontecem em decorrência da aids. Afirmou que foi por meio do HIV que enxergou as diferenças sociais como o racismo, o machismo e a homolesbotransfobia. “Essas, talvez, matem mais do que o HIV. É muito importante a gente se unir. Foi por meio da aids que falou-se da homossexualidade, do uso de drogas, da prostituição e outros assuntos que antes eram ocultos pela sociedade. A gente sabe que muitas coisas melhoraram, como tratamento, diagnostico e prevenção. Temos alguns avanços e o tratamento está mais fácil, mas ainda existem muitos desafios a serem vencidos por todos nós”, defendeu.
Roseli Tardelli, diretora da Agência de Notícias da Aids, perdeu o irmão em consequência da aids, em 1994. Para ela, a aids ainda é uma doença nova, a qual muito precisa ser feito e muito preconceito precisa ser desconstruído. “Eu mudei a minha história e resolvi trabalhar com aids e comunicação para tentar reverter um pouco o equivoco que a mídia fez. A gente falou câncer gay, grupo de risco e comportamento de risco. Podíamos ter perguntado mais, porém ninguém tinha muita resposta. Eu tenho muita honra de estar aqui, representando uma mídia mais cidadã, solidária e descente. E é assim que a gente quer construir uma história melhor com vocês”.
Cleiton Euzebio, representante do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas) e outras agências da ONU (Unicef, Unesco, Unfda), disse que desde a primeira edição do Curso de Jovens Lideranças (2015), feito em parceria com o Departamento de Aids do Ministério da Saúde e outras agencias da ONU, foi possível notar que os jovens querem e necessitam de oportunidade e aprendizado. “Um terço das novas infecções no mundo ocorrem entre jovens de 15 a 24 anos. A aids ainda é a segunda causa de mortalidade entre adolescentes no mundo. Essa é uma fase da vida que a gente espera que ninguém morra. Por isso, o Unaids tem investido muito na juventude”.
Segundo Juny Kraizcyk, do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, na capital paulista, as pessoas que mais morrem de aids, são mulheres e homens negros e travestis. “O Brasil mata mais travestis e mulheres trans do que países fundamentalistas. A gente precisa pensar nisso. O projeto Muriel mostrou que, em São Paulo, das 627 mulheres trans entrevistadas, 27% vivem com HIV e nós sabendo que esse número pode ser maior. A gente sabe que hoje tem muitos avanços, mas a gente também sabe que não sabemos muita coisa. Uma prova disso é que a aids está aumentando entre os jovens e adolescentes. Eu acho que nós que estamos há tanto tempo na estrada que precisamos aprender as respostas com vocês. Aqui é uma oportunidade para isso”.
Pierre Freitaz, da Rede de Jovens SP+, compartilhou com os participantes do evento que há exatos 14 anos descobriu sua sorologia e entrar para o movimento de aids foi um processo de amadurecimento. Pierre é um dos organizadores do evento e explicou que esse quatro dias servirão para estabelecer um diálogo e construção de ideais com a juventude. “A gente pode dar outra resposta, outra cara para combater essa epidemia que, infelizmente, ainda afeta milhões de pessoas. Muitas dessas pessoas morrem, por diversos fatores, seja por não aderirem à medicação, diagnostico tardio, dificuldade de acessar o serviço de saúde ou preconceito. Que a gente possa voltar para as nossas bases com novas percepções, conhecimento e sensibilidades. Podemos encontrar uma resposta que está além do que foi dito aqui.”
A realização do curso é uma parceria da Rede de Jovens SP+ com a Coordenação Estadual de DST/Aids da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, com o apoio do Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, do Programa Municipal de DST/Aids da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), do Fórum de ONGs Aids do Estado de São Paulo (Foaesp), da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids de São Paulo (RNP+SP), do Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas de São Paulo (MNCP-SP) e do Projeto Viva Melhor Sabendo Jovem.
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