domingo, 28 de agosto de 2016

Grupo Pela Vidda/SP celebra 27 anos com tribuna sobre os Ecos de Durban


O Grupo Pela Vidda/SP (Valorização, Integração e Dignidade do Doente de aids) chegou aos 27 anos. A ONG, que nasceu em agosto de 1989, reuniu, neste sábado (27), na sede do Centro de Referência da Diversidade (CRD) – principal projeto da instituição, amigos, ativistas, gestores, usuários e voluntários para festejar mais um ano de luta. A comemoração também foi marcada por uma tribuna sobre os Ecos de Durban. A ideia, segundo o professor Mário Scheffer, ex-presidente do Pela Vidda e mediador do debate, era compartilhar as impressões e conhecimentos dos técnicos, ativistas e jornalistas que estiveram em julho, na 21ª Conferência Internacional de Aids, em Durban, na África do Sul. "Queremos saber quais são as novidades, perspectivas e desafios na luta contra a aids no cenário mundial", disse Mário.
A conversa durou mais de três horas e não faltou assunto. A psicóloga Vera Paiva, do Nepaids (Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids), contou que a epidemia de aids está descontrolada, principalmente em populações-chave, como: homens que fazem sexo com homens (HSH), jovens gays, usuários de drogas, profissionais do sexo e mulheres transexuais. "Essa Conferência foi realista, voltamos a falar sobre aids com os pés no chão, a partir da complexidade que essa doença merece ser discutida", disse Vera, acrescentando que "a população-chave na maior parte dos países africanos são as meninas. No Brasil e em outros países temos observado uma epidemia descontrolada entre os jovens gays e HSH."
Do ponto de vista do ativismo, Américo Nunes, coordenador do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids), destacou o fortalecimento do ativismo na África do Sul. "Eles estão empoderados e engajados na luta contra a aids. Vi também que cresceu o número de ativistas independentes. Mas o que mais me chamou atenção foi a oportunidade de intercâmbio entre as ONGs no Global Village, espaço destinado a sociedade civil em conferências de aids."
Outra observação de Américo está relacionada ao Brasil. "Mesmo com os retrocessos na luta contra a aids no nosso país, estamos um passo à frente. Acho que o momento é de reflexão, temos que melhorar as nossas fragilidades e propor mudanças", concluiu Américo.
As coordenadoras dos Programas Estadual e Municipal de DST/Aids de São Paulo, Maria Clara Gianna e Eliana Gutierrez, respectivamente, também contaram quais foram suas impressões sobre o maior evento de aids do mundo. "Vi na África que apenas testar e tratar não é legal, temos que atuar  na redução das vulnerabilidades. Acompanhei debates sobre PrEP (profilaxia pré-exposição ao HIV) e se alguém tinha dúvidas sobre a importância desta tecnologia, não tem mais. Aprendemos que o mundo tem focado cada vez mais suas ações em populações específicas, sempre levando em conta os direitos humanos", contou Maria Clara.
As manifestações organizadas pelas profissionais do sexo, em Durban, sensibilizou a gestora. "Elas estavam pedindo para serem nomeadas como vulneráveis. Não só elas, mais outros grupos. Pela primeira vez eu vi os gays africanos se posicionando como gays e pessoas vivendo com HIV e aids, foi emocionante", contou Maria Clara, que não participava de conferências internacionais desde 2004.
Clara reconheceu ainda que o Brasil tem bons medicamentos contra a aids, mas que é preciso ter melhores. "O nosso efavirenz é bom, mas há drogas superiores, então, queremos o melhor tratamento a um preço justo."
Ausência da camisinha
Eliana Gutierrez, do Programa Municipal, disse ter ficado chocada com a ausência de debates sobre camisinha e prevenção primária. "Volto com muitas inquietações e confiante de que estarei na ativa quando a gente tiver mecanismos de cura da aids para todos. Me chamou atenção o fato de o mundo estar tratando a PrEP como prevenção primária, ninguém fala mais de camisinha, que continua sendo uma alternativa simples, eficaz e barata na prevenção das DSTs/aids. Também não vi debates sobre  PEP (profilaxia pós-exposição)."
Assim como Américo, a gestora reconheceu que o Brasil está um passo à frente em várias estratégias. "Foram apresentados uma série de experiências e insights que no Brasil já é política pública. Como, por exemplo, o acesso universal ao tratamento. Hoje, a África distribui medicamentos para todos, no Brasil isso é realidade desde 1996."
Representando a médica Adele Benzaken, diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, o assessor de ações estratégica do Departamento, Ivo Brito, contou que não esteve em Durban, mas que pode observar que nos últimos 10 anos as pessoas não têm discutido sexualidade. "Como trabalhar prevenção sem falar de sexualidade. Até em documentos da OMS (Organização Mundial da Saúde) temos observado que o tema não é citado." Outra crítica de Ivo está relacionada as discussões sobre sistemas de saúde. "As conferências não discutem sistemas de saúde de forma macro. E muitos sistemas públicos estão sofrendo ataques, o conservadorismo é global."
Questionado sobre a chegada da PrEP no Brasil, Ivo garantiu que o Departamento tem trabalhado para disponibilizar essa estratégia de prevenção no SUS ainda este ano. "O medicamento usado na PrEP está registrado no Brasil para tratamento e não prevenção, há ainda outro laboratório que pretende registrar no país a droga genérica. Queremos solucionar os problemas o mais rápido possível", finalizou Ivo Brito.
Outras experiências
O representante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, Paulo Giacomini, destacou que uma das boas estratégias de prevenção que viu na África do Sul foi a experiência da Tailândia com o ambulatório de travestis e transexuais. "O ambulatório faz parte da política de aids daquele país. No Brasil, temos ambulatórios, mas de forma regionalizada", criticou Paulo. Ele contou que as metas 90-90-90 foram questionadas em diversos momentos por pesquisadores e ativistas. "As pessoas estavam criticando o conceito. Um líder comunitário da Costa do Marfim pediu à plenária que se levantasse a medida em que ele nominava as populações-chave. Ao fim, toda plateia se levantou. Ou seja, todos somos populações-chave. "
Ainda, segundo Paulo, "a falta do passe livre nos transportes públicos é um dos problemas de acesso ao diagnóstico e ao tratamento em diferentes lugares do mundo, inclusive no Brasil." Outro destaque do ativista é que na Tailândia, toda pessoa que recebe o diagnóstico positivo para o HIV faz exame de CD4 automaticamente. "Essa não é a realidade do Brasil."
Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONG/Aids de São Paulo, contou que a resposta brasileira foi bastante criticada no evento. "Que bom que a Adele [Benzaken] esteve lá e participou dos debates. Voltamos para casa com vários desafios e outras propostas de parcerias." Rodrigo aproveitou para parabenizar o Pela Vidda: “Nós, de ONGs, sabemos como é duro manter um trabalho como esse, parabéns pelo esforço.”
A diretora da Agência Aids, Roseli Tardelli, também esteve no CRD para prestigiar os 27 anos do Pela Vidda. Ela contou como foi a cobertura desta agência em Durban. "Neste ano, a verba estava bem limitada, fomos eu e o Henrique Contreiras [médico colaborador]. Publicamos 44 reportagens, além de vídeos e galerias de fotos no Facebook e no Twitter. A equipe no Brasil também ajudou com traduções de notícias de agências internacionais." 
Mas, segundo Roseli, nesta conferência a pauta concorreu com outros importantes acontecimentos no Brasil e no mundo. "Quando vamos a um evento internacional sempre enviamos boletins para rádios, TVs, sites. Neste ano, só conseguimos parceria com o portal UOL. As editorias internacionais estavam focadas em Olímpiadas. E há três meses o impeachment tem ocupado o noticiário brasileiro."
Estigma e discriminação
Um dos temas que rendeu opinião de praticamente todos os participantes da tribuna foi o estigma e a discriminação como peça chave na luta contra a aids. Segundo o ativista Paulo Giacomini, as pessoas vivendo com HIV/aids continuam sendo isoladas por estes dois fatores tanto na África do Sul, como no Brasil.
O militante do Projeto Bem-Me-Quer, Roberto Pereira, quis saber: "o que podemos fazer para avançar e não mais reproduzir o estigma e a discriminação contra soropositivos depois de 35 anos de epidemia?"
Maria Clara, do Programa Estadual de Aids, convocou os ativistas, os gestores e a mídia para um grupo de discussão sobre este assunto. "Temos que pensar em soluções."
Acesso aos exames de CD4, qualidade da assistência, fundamentalismo, campanhas, entre outros assuntos também foram abordados no debate.
27 anos de luta e ativismo
Antes do grande debate, o pesquisador e fundador da instituição, Jorge Beloqui, contou como nasceu o grupo que tem como grande marca, desde a fundação, a integração de pessoas convivendo, e não apenas vivendo, com HIV. Jorge estava na primeira reunião, do primeiro núcleo.
Era maio de 1989 e o Pela Vidda/Rio de Janeiro acabara de ser fundado pelo sociólogo e escritor Herbert Daniel. “Eu conhecia o Herbert do movimento gay e fiquei lá no Rio uns tempos, participando das atividades da fundação. ”
De volta a São Paulo, num evento no Centro Cultural São Paulo, que contou com a presença de Herbert Daniel, eles tiveram a ideia de pedir a então secretária de Cultura da Prefeitura, Marilena Chauí, uma sala para abrigar um núcleo paulista do Pela Vidda.
De um espaço dentro de uma biblioteca no Centro Cultural até chegar como pessoa jurídica à atual sede na Rua General Jardim, no centro, a ONG funcionou na casa dos fundadores, numa sala comercial da Avenida Paulista e em outra do Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa). "Que bom que estamos comemorando 27 anos de solidariedade e luta contra a aids", declarou o hoje ativista do Grupo de Incentivo à Vida (GIV).
O ativista Eduardo Barbosa, coordenador do CRD, contou que hoje o objetivo da ONG é o mesmo de 27 anos atrás. "Conheci o Pela Vidda em 1994, mas só de uns anos pra cá comecei a identificar que este é o meu lugar. Agora, sou unha e carne da instituição."
Outro ex-presidente da ONG que marcou presença no evento foi o militante Rogério de Jesus. Ele lembrou que todos são bem-vindos na luta contra a aids, basta querer somar. "Aqui, encontrei amigos de verdade, são pessoas que levo para a vida. Aprendi valores preciosos. Não estou mais na equipe, mas tem muita gente que trabalha diariamente para manter o Grupo de portas abertas."
O jovem Matheus Emilio, uma das lideranças do Encontro Jovem Posithivo, projeto do Pela Vidda, disse que a nova geração de ativistas da ONG quer somar. "Temos a difícil tarefa de dar continuidade ao que muitos vem fazendo ao longo dos anos. Descobri nesta ONG a família Pela Vidda."
Homenagem, música e festa
A atual presidente da instituição, Maria Hiroko, foi a homenageada do evento. Ela recebeu de Eduardo Barbosa uma placa de agradecimento pelo seu trabalho e dedicação na ONG. "Estou muito feliz de integrar este grupo, sempre aprendo com vocês", disse Hiroko.
Do Rio de Janeiro, o ativista Cazu Barros agitou os convidados cantando Cazuza. Ao final, todos entraram no ritmo e cantaram o tradicional parabéns.

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