quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Incorporação do dolutegravir: Ativistas e especialistas dão boas-vindas ao antirretroviral e querem outras novas drogas no SUS


O anúncio da chegada do dolutegravir ao SUS (Sistema Único de Saúde),  na manhã desta quarta-feira (28), em Brasília, foi festejado pelos ativistas da aids. “Desde o ano passado, vínhamos reivindicando isso”, disse Vando Oliveira, coordenador da RNP+Ceará (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids do Ceará). Pedro Chequer, ex-diretor do Departamento de Aids, disse que a medida traz ao país a perspectiva da sustentabilidade da política de aids. Richard Parker, diretor-presidente da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), enfatizou que o Brasil diminui, com a decisão, a distância que o separa de países ricos na área da terapia antirretroviral. Veja o que mais ativistas, especialistas e os dois médicos que estiveram à frente do estudo da droga no Brasil, Ricardo Diaz e José Valdez Madruga, falam:
Pedro Chequer, médico, co-fundador e ex-diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais: “ Um dos princípios que regem a lei que estabeleceu o acesso a antirretrovirais é a atualização permanente do elenco terapêutico. Na medida em que surgem novos medicamentos, eles devem ser incluídos no elenco com objetivo de melhorar a atenção e prolongar a vida do paciente. O surgimento do dolutegravir e sua incorporação representam, efetivamente, o cumprimento da lei e uma clara demonstração de que a política adotada em relação à  terapaia contra aids se mantém. Isso nos cria a perspectiva da sustentabilidade da política e a garantia de que o paciente no Brasil vai ter acesso ao que há de mais moderno, com menos efeitos colaterais.”
Richard  Parker, diretor-presidente da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids):  “ O avanço para incorporar novos medicamentos é um ganho. Temos um grande risco acontecendo agora no Brasil e em outros países que não são os mais ricos e estão ficando atrasados na incorporação de novos antirretrovirais. Isso significa que temos o acesso de duas classes. De primeiro mundo e de terceiro mundo, o que é  ruim. O princípio de acesso a medicamentos é o de que todos os humanos têm os mesmos direitos. Então, é um avanço ver o Ministério da Saúde partindo para caminhar nessa direção.”
Regina Bueno, ativista facilitadora da Rede Jovem Rio +, do grupo Pela Vidda Rio e da Pastoral da Aids Rio: “Hoje, a nossa  primeira linha tem o 3 em 1,  que já foi descontinuado há muito tempo nos Estados Unidos e na Europa,  porque traz efeitos colaterais sérios, especialmente por meio do efavirenz. Os jovens da nossa rede que fazem uso dele reclamam de insônia, sonolência. Então, a chegada do dolutegravir é boa porque é um remédio bem menos tóxico, segundo os centros internacionais de pesquisas. Isso permite  mais acessibilidade e permeabilidade quanto à adesão. Porque o que se quer é barrar a transmissão do HIV, zerando a carga viral. Se há menos efeitos colaterais, há mais adesão. Mas é preciso informar sobre isso,  principalmente os profissionais de saúde  na atenção básica, que está sendo recomendada pelos protocolos do Ministério da Saúde como primeiro atendimento.”
Veriano Terto Jr.,  coordenador de projetos da ABIA: “É um passo importante no sentido de atualizar o elenco de medicamentos disponíveis, especialmente para as pessoas recém diagnosticadas. Nós damos muito boas-vindas porque até o ano passado era quase um tabu falar desse medicamento, que parecia ser algo impossível . Num primeiro parecer da Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS], ele foi rejeitado. Depois, nas oficinas, quando falávamos dele, éramos vistos como visionários ou que estávamos  falando mal dos medicamentos já existentes na primeira linha. Não era nada disso, a gente só queria mostrar que era viável e, com um pouco de pressão política, o dolutegravir poderia ser adotado e melhorar a qualidade de vida de muita gente.”
Eduardo Barbosa, coordenador do CRD (Centro de Referência da Diversidade) e da área de assistência do CRT (Centro de Referência e Tratamento em DST/Aids de SP): “Com a  chegada do dolutegravir, a  gente tem um avanço  significativo na perspectiva de buscar melhor terapia para o indivíduo.  É mais uma possibilidade de quebrar algumas barreiras na adesão ao tratamento e na retenção dos pacientes no serviço. Então, essa incorporação é superimportante.”
Vando Oliveira, coordenador da RNP+Ceará:  “Já chegou tarde, pois,  em outros países mais adiantados, o dolutegravir é adotado desde 2013. Temos registro de vários pacientes que estão precisando dessa medicação no Brasil. Inclusive, esta semana, estamos acompanhando um. Ele está  internado e faz nove meses que espera o medicamento. Estávamos aprrensivos com esse caso, mesmo depois de uma judicialização. Estou falando de um caso, mas são vários. Então, a chegada do dolutegravir é algo legal para o movimento sociual.”
Carlos Duarte, do Fórum de Ongs/Aids do Rio Grande do Sul: “A incorporação de qualquer medicamento de primeira linha é fundamental porque reduz a probabilidade de efeitos colaterais. Quanto mais de ponta, melhor para todo o mundo, para a pessoa vivendo com HIV, para o serviço de saúde que vai ter menos intercorrência.”
William Amaral, ativista, do Comitê Comunitário de Acompanhamento do Ipec da Fiocruz:  “É o resultado de  uma luta que já vem desde o ano passado devido a defasagem do nosso consenso. Precisamos de outros avanços para conseguirmos nos igualar ao consenso terapêutico do primeiro mundo. É necessária a entrada do  TAF,  nova formulação do tenofovir. E tem outros já em uso  lá fora que ainda não são incorporados aqui. Lá, eles não usam mais AZT, efavirenz.  É importante a entrada desse novo medicamento? É. Mas a gente não pode esmorecer. Temos de continuar cobrando do Ministério da Saúde e da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) que se posicione publicamente para a incorporação das novas drogas.”
José Araújo Lima, do Mopaids e do Epah (Espaço de Atenção Humanizada): "Não tem como não reconhecer a importância da chegada do dolutegravir, uma cobrança que as ONGs vêm fazendo há muito tempo. Mas há fatores que devem ser ressaltados: a entrada desse medicamento está longe de tornar o consenso brasileiro satisfatório em razão da sua grande desatualização. Quando a diretora do Departamento [Adele Benzaken] informa que a "entrega será a partir de janeiro de forma gradativa" impede que o controle social faça acompanhamento e cobrança na sua implementação. O Ministério diz que não haverá "impacto financeiro" um raciocínio equivocado quando deveria ser interpretado como um grande impacto na vida das pessoas vivendo com HIV/aids. O que move o governo é a economia e não vida."
Rodrigo Pinheiro, presidente do Foesp (Fórum de Ongs/Aids do Estado de São Paulo): "Esta ação do governo é resultado de uma reivindicação da sociedade civil, que vem cobrando há tempos melhores tratamentos. Recordo quando pautávamos o assunto, na gestão passada, e  éramos acusados de irresponsáveis pela questão dos custos e o que vemos agora é que faltou vontade política. Nossa luta ainda continuará pelo melhor acesso ao tratamento que estiver disponível."
Pedro Villardi, coordenador de projetos da ABIA e coordenador do GTPI (Grupo de Trabalhos sobre Propriedade Intelectual): “Já tem quase dois anos que a ABIA e o GTPI vêm demandando o dolutegravir como opção para a primeira linha. É um remédio bem tolerado, tem menos efeitos colaterais. Incorporá-lo num contexto em que a gente começa a tratar pessoas assintomáticas é fundamental. Agora, um fator preocupante é sobre a sustentabilidade no tratamento, por causa do preço. Demandamos que o governo faça as ações necessárias para que a  universalidade e a integralidade sejam garantidos.”
Os médicos/pesquisadores
Eles fazem parte da Câmara Técnica para Avaliação de Novos Medicamentos Antirretrovirais, composta por infectologistas dos mais respeitados centros de tratamento do estado de São Paulo. Estiveram à frente das pesquisas sobre o dolutegravir e sempre foram defensores de sua incorporação ao SUS. Veja o que dizem Ricardo Diaz, da Unifesp, e José Valdez Madruga, do CRT:
Ricardo Diaz, pesquisador da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo): “É um grande avanço, que aproxima a gente do mundo desenvolvido em relação ao tratamento inicial de HIV. Mas ainda não acaba com a defasagem quanto a essa classe que é a de inibidores de integrase. Temos o raltegravir, para resgate, mas o elvitegravir ainda está sendo registrado na Anvisa. Também não temos ainda o novo tenofovir, que é menos tóxico, com menos efeitos colaterais. Porém, o mais potente é o dolutegravir e estou feliz pela incorporação deste. Vai melhorar muito a qualidade de vida das pessoas, especialmente pela possibilidade de substituir o efavirenz droga que, a cada dia, fica mais provada sua relação com efeitos terríveis.”   
José Valdez Madruga, do CRT:  “A chegada do dolutegravir à primeira linha de tratamento é um grande avanço. Este medicamento é potente e bem tolerável. A incorporação de inibidores da integrase na primeira linha também era um reivindicação da SBI, já tínhamos pedido ao Ministério da Saúde a atualização do protocolo. Lembrando que pesquisas comprovaram que essa é a melhor classe de medicamentos, com menos efeitos colaterais a curto e longo prazos. A droga também é primeira linha nos Estados Unidos, na União Europeia e indicada pelo Internacional Aids Society. No entanto, gostaríamos que o raltegravir também estivesse em primeira linha de tratamento, assim, o médico poderia analisar caso a caso. Estudos comprovaram que o raltegravir causa menos interações medicamentosas e há dados de dez anos de uso. Não há dados, por exemplo, sobre segurança renal e óssea do dolutegravir. Por isso, é importante ter as duas opções. Não tenho nada contra o dolutegravir, considero muito importante este passo. Hoje, inclusive, já recebi ligações de pacientes querendo trocar o esquema, eles ouviram o pronunciamento do ministro. Mas é preciso calma, a droga estará disponível só em 2017 e no primeiro momento para os que estarão iniciando o tratamento."

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