segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Aids pediátrica: Especialistas se debruçam sobre desafio de convencer adolescentes a seguirem tratamento

Nem sempre a realidade oferece as condições necessárias para os profissionais de saúde salvarem vidas, mas é obrigação destes fazerem de tudo para isso, mesmo nas condições mais adversas. Essa reflexão, da médica Heloisa H. S. Marques, do Hospital Emílio Ribas, foi feita no encerramento do 9º Simpósio Internacional e 11º Encontro Nacional sobre Aids Pediátrica, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo. O evento, iniciativa da Associação de Auxílio à Criança e Adolescente Portador de HIV, começou na sexta-feira (30) e acabou na tarde de sábado (1º ).
Especialistas de todo o Brasil e de fora do país falaram para uma plateia de profissionais de saúde sobre desafios e novidades do tratamento da aids na infância, na adolescência e na passagem desta fase para a adulta.
“O congresso trouxe o que precisava, que foi a troca de experiências com enfoque no adolescente”, avaliou a  infectologista Marinella Della Negra, pioneira no atendimento a crianças soropositivas no Brasil e presidente do evento.
“Aqui se encontraram as pessoas mais competentes da aids no mundo”, disse Eliana Galano, psicóloga no CRT-SP (Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids do Estado de São Paulo). Eliana criou um método de revelação de diagnóstico de HIV na infância e na adolescência reconhecido internacionalmente. “Esses especialistas reconhecem a dificuldade de adesão do adolescente ao tratamento e estão empenhados em encontrar soluções para ajuda-los.”
Droga injetável
Uma solução é a adoção de medicamentos menos tóxicos, de preferência injetáveis e de longa duração. Foi o que defendeu o pediatra italiano Carlo Giaquinto, professor honorário do Centro de Pediatria Epidemiologia e Bioestatística do Instituto de Saúde Infantil em Londres, Inglaterra, e reconhecido mundialmente como um dos maiores pesquisadores de doenças infantis infecciosas.
“Há estudos comprovando que alguns medicamentos garantem nível de proteção de dois meses”, disse Gianquito, que tem esperanças numa injeção de dolutegravir, o novo medicamento que promete mais potência e menos efeitos colaterais e chegará ao SUS (Sistema Único de Saúde) em 2017, para pacientes de primeiro tratamento e situações de resgate.
O especialista também falou da conveniência de se adotar a PrEP (profilaxia pré-exposição) para esse público mais jovem. “Há muitas novas infecções de origem comportamental e temos de ficar atentos a isso.”
 A pediatra Rosane Ferreira Muniz, de Praia Grande (litoral de São Paulo) torce para que os novos medicamentos se tornem realidade acessível aos pacientes atendidos pelo programa Municipal de Aids de sua cidade. Segundo ela, estão em tratamento ali 12 crianças entre 5 e 14 anos. E, ao ano, de 10 a 15 crianças expostas ao vírus, geralmente porque a mãe tem HIV, são observadas e monitoradas.
De Sorocaba (SP), Flordenice Nascimento também espera ansiosa pelos novos medicamentos. “O desafio maior é fazer o adolescente não desistir de tomar remédio agora para que possam, no futuro, usar essas novas drogas. Pensa que maravilha vai ser tomar uma injeção a cada dois meses! Pena que no Brasil essas novidades demorem um pouquinho mais a chegar.”
De qualquer forma,  o surgimento e a adoção de novas medicações e formas mais fáceis de administrá-las ainda dependem de pesquisas, conclusões de estudos. Enquanto isso, Solange Dourado Andrade, da Fundação de Medicina Tropical, de Manaus (AM) sugere que se use bastante a criatividade.
Formação de grupos
Solange disse que há cerca de 250 crianças em acompanhamento no serviço pediátrico para HIV na Fundação. Contou que a formação de grupos é essencial e sua área incentiva essa estratégia para possibilitar a troca entre os jovens soropositivos.
“Criamos o grupo Vida, de adolescentes. Temos uma sala na Fundação onde eles se reúnem, marcam encontros, combinam programas e, de lá, saem para passear. O grupo é fundamental pela possibilidade da identificação. Dá para formar grupos até nas salas de espera, fazer rodas de conversa”, disse a médica Solange.
A pediatra também contou que os adolescentes infectados por transmissão vertical (de mãe para filho, na gravidez, no parto ou na amamentação) geralmente têm vínculo mais forte ao serviço. “Eles confiam mais na gente, pois cresceram indo às consultas.” Já os infectados por transmissão horizontal (outras formas que näo a TV) chegam revoltados e não querem estabelecer vínculos.
“Mas tanto faz”, continuou a pediatra de Manaus. “São adolescentes como todos e têm a [fantasia da] invulnerabilidade própria da idade. Não bastasse a crise de identidade ainda encontram o HIV. Por isso, o tratamento antirretroviral deve ser o mais simples possível para eles.”

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