segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Conceitos e preconceitos em torno do HIV são debatidos na conferência SSEX BBOX, dentro do Festival Mix Brasil


Desconstruindo o HIV em Alto e Bom Som” foi o tema de uma roda de conversa que fez parte do 24º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, na tarde de sábado (19), no Centro Cultural São Paulo. O evento também integrou a programação da 2ª Conferência Internacional SSEX BBOX. Reuniu ativistas de vários pensamentos, dos formados dentro de movimentos pioneiros de aids aos que se autodenominam dissidência, por questionarem a forma como a doença está representada, tanto no viés político/social, quanto no científico.
A roda teria como mediador o jovem Diego Calissto, assessor técnico do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, do Ministério da Saúde. Mas ele perdeu o voo, segundo o jovem Rafael Amaral, que o substituiu. Rafael faz Ciências Sociais na Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) e defende uma tese chamada “Dispositivos da aids”. Pretende, com uma longa pesquisa, revisar toda a trajetória da doença e os conceitos criados em torno dela.
Durante a roda, que também reuniu especialistas, houve discussões em torno de questões políticas, como a forma com que os governos se apropriam de informações e as disseminam. E também técnicas, como a eficácia dos antirretrovirais, a confiabilidade dos testes, entre outras trazidas pelo pessoal que mantém no Facebook a página Repensando a Aids.
 “Acho muito importante o debate, as novas ideias que vêm somar no ativismo. Só gostaria que essas posições não significassem negação [de tudo o que foi construído até aqui na atenção aos pacienbtes com HIV/aids]. Faço parte de um grupo de pesquisas que se preocupa muito com a possibilidade negativista”, disse Gabriela Calazans, pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da USP.
Revelação do diagnóstico
Mas não foram propriamente as dissidências e sim as preocupações que perseguem as pessoas vivendo com HIV desde o início da epidemia que mais tiveram destaque. Um dos participantes se emocionou ao dizer que estava falando pela primeira vez em público sobre sua sorologia.
“Soube do diagnóstico em 2009. Estou compartilhando com vocês algo que a minha família ainda não sabe. Eu não tenho  medo de estar com HIV mas sim de como as pessoas vão me tratar”, disse ele, que está se formando em naturologia, acredita em formas alternativas de tratamento mas toma antirretrovirais e faz acompanhamento com infectologista.
O jovem contou que, recentemente, descobriu, por conta própria,  estar com sífilis. “Ou seja, eu descobri e eu que contei para a  infectologista, que nunca tinha me pedido teste desta doença.”
Dizendo-se bissexual, ele também falou de o quando dói começar um relacionamento e ter de contar que tem HIV. “Até hoje, eu tenho dificuldade de ejacular por conta disso. As meninas acolhem melhor a notícia. Os meninos aceitam no discurso mas mostram dificuldades na prática.”
Henrique Contreiras, pediatra e educador comunitário do Centro de Pesquisa do CRT (Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids-SP), falou sobre a importância de todos saberem que com a carga viral indetectável, num período de pelo menos seis meses, o risco de transmissão de HIV é muito baixo. “A eficácia é de 98%. Tanto que hoje casais sorodiscordantes engravidam sem precisarem fazer a lavagem de esperma”, disse o médico. “Mas no Brasil essa informação ainda nos é negada oficialmente.”
Questionada pela plateia, Ivone de Paula, da gerência de prevenção do CRT, explicou que  a informação já é, sim, incorporada nas políticas públicas. “Com carga viral indetectável, a segurança é a mesma da camisinha. Mas isso ainda é um desafio para os médicos, que têm medo de divulgar. O paciente precisa, também, cuidar das outras DSTs, não só da carga viral.”
O ator Flip Couto, 33 anos, também descobriu em 2009 que tinha HIV e só em maio do ano passado resolveu contar para a família e os amigos. “Foi difícil e a forma que eu encontrei de fazer isso foi produzindo um espetáculo de teatro, chamado ‘Vermelho`. Até com meu marido, com quem eu já estava casado na ocasião do diagnóstico e é soronegativo, eu tinha dificuldade de falar.”
Flip contou que sempre teve vontade de se abrir com os amigos, mas tinha medo. “Foi no ano passado que o silêncio passou a me incomodar. Falava sobre tudo com eles e não sobre HIV.”
Agora, o ator, músico de hip hop e professor de dança pretende cada vez mais se engajar nos movimentos da aids. Está preocupado, especialmente, com os dados sobre a população negra, a que mais morre em São Paulo em decorrência da doença. “É urgente começar a pensar num novo viés para falar sobre isso. Quero estar não só num lugar como esse mas também ir até essa população.”
 Também ator, Kako Arancibia disse que vive há sete anos com HIV e só em outubro, ou seja, no mês passado, contou para a família. Estava especialmente preocupado em fazer a revelação para uma sobrinha de 20 anos. “Fui até a casa dela, ela estava com a melhor amiga e aproveitei para contar. A amiga disse que o tio dela levou 30 anos para revelar que é soropositivo à família.”
Kako também contou que muito do que acredita hoje sobre viver com aids foi inspirado no Livro “Doença Como Metáfora/Aids e Suas Metáforas”, da escritora americana Susan Sontag. “Aprendi que as palavras que a gente escolhe para falar dos temas tem um peso muito grande e isso é o que faz mais sentido no meu viver atual. São usadas metáforas bélicas como ‘luta contra aids’, ‘batalha’, ‘invasor’, ‘sentença de morte’, ‘infectar’... Símbolos que fazem a pessoa se sentir culpada. E a medicina vai se apropriando deles para tratar de saúde.”
Direito ao silêncio
Artista plástica, a ativista Micaela Cyrino ponderou que não pode haver pressão para que os soropositivos se revelem como tais. “A gente coloca a responsabilidade sobre a sorologia, mas para falar dela a pessoa precisa de um lugar onde se sinta confortável. E esse é um processo que envolve religião, questões de gênero, valores morais, um monte de coisas que precisam ser desconstruídas. Para mim, a sorologia é simples. É um vírus que afeta a minha imunidade.”
O advogado e ativista Ozzy Cerqueira concordou e acrescentou  que as pessoas têm o direito de construírem sua trajetória do jeito que quiserem. “Há outras formas de contribuir que o indivíduo  pode usar sem revelar publicamente sua sorologia. Ele é quem escolhe. Nem sempre quem revela é o mais corajoso.”
Carlos Henrique de Oliveira, escritor e militante do movimento negro de São Paulo e da Rede de Jovens São Paulo Positivo,  destacou a importância de se defender o SUS (Sistema Único de Saúde). “Temos de pautar a aids como questão de direitos humanos. Não dá para tratar do tema sem os recortes raça-cor, gênero.” Carlos disse que, ainda hoje, é difícil falar de HIV/aids, por exemplo, dentro dos movimento LGBT. “Eles não querem associar seu movimento com aids.”
A 24ª edição do Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade começou no dia 9 e chegou ao fim neste domingo (20) com programação no Centro Cultural São Paulo, além do Espaço Itaú de Cinema/Augusta, CineSesc, Instituto Itaú Cultural, Spcine Olido e Circuito Spcine CEUs.


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