Um novo relatório do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids) mostra que os países estão entrando no chamado fast-track (via rápida, em português) com um milhão de pessoas a mais tendo acesso ao tratamento antirretroviral. Em junho de 2016, cerca de 18,2 milhões tiveram acesso aos medicamentos, incluindo 910 mil crianças, o dobro do número registrado cinco anos atrás. Se esses esforços forem mantidos e ampliados, o mundo estará no caminho para alcançar a meta de 30 milhões de pessoas em tratamento até 2020, segundo o Unaids.
Intitulado “Get on the Fast-Track: the life-cycle approach to HIV” (“Acelerando a resposta ao HIV com enfoque na abordagem do ciclo de vida”), o relatório foi lançado nesta segunda-feira (21) em Windhoek, na Namíbia, pelo presidente do país, Hage Geingob, e pelo diretor executivo do Unaids, Michel Sidibé.
"Há pouco menos de dois anos, 15 milhões de pessoas tinham acesso ao tratamento antirretroviral – hoje, mais de 18 milhões estão em tratamento e novas infecções por HIV entre crianças continuam a cair", disse o presidente Geingob. "Agora, temos de garantir que o mundo permaneça na via rápida para acabar com a epidemia de aids até 2030 na Namíbia, na África, e em todo o mundo."
Urgência com as mulheres jovens
O relatório contém dados detalhados sobre as complexidades do HIV e revela que a transição das meninas para o estágio de mulheres adultas é um período muito perigoso, particularmente na África subsaariana. "As mulheres jovens enfrentam uma ameaça tripla", disse Sidibé. "Elas correm alto risco de infecção pelo HIV, têm baixas taxas de testagem para o vírus e uma baixa adesão ao tratamento. O mundo está falhando com as mulheres jovens e precisamos fazer mais, urgentemente."
A prevenção do HIV é fundamental para acabar com a epidemia entre as mulheres jovens e o ciclo da infecção pelo HIV precisa ser quebrado. Dados recentes da África do Sul mostram que as mulheres jovens estão adquirindo HIV de homens adultos, enquanto os homens adquirem o HIV muito mais tarde, após a transição para a idade adulta, e dão continuidade ao ciclo de novas infecções.
O relatório também mostra que o impacto do tratamento no aumento da expectativa de vida está funcionando. Em 2015, havia mais pessoas acima de 50 anos vivendo com HIV do que nunca: 5,8 milhões. O relatório destaca que, se forem alcançadas as metas de tratamento, espera-se que esse número aumente para 8,5 milhões até 2020. No entanto, as pessoas idosas que vivem com HIV têm até cinco vezes mais risco de desenvolver doenças crônicas. Por isso, uma estratégia abrangente é necessária para responder ao aumento nos custos dos cuidados de saúde de longo prazo.
Em 2015, as pessoas com mais de 50 anos representavam cerca de 17% da população adulta (15 anos ou mais) vivendo com HIV. Em países de alta renda, 31% das pessoas vivendo com HIV tinham mais de 50 anos.
O documento também alerta para o risco de resistência aos medicamentos e para a necessidade de reduzir os custos dos tratamentos de segunda e terceira linhas. Também destaca a necessidade de mais sinergias com a tuberculose (TB), o papilomavírus humano (HPV) e o câncer de colo do útero, bem como programas de hepatite C, a fim de reduzir as principais causas de doença e morte entre pessoas vivendo com HIV.
Em 2015, quase metade (440 mil de 1,1 milhão) das pessoas que morreram de uma doença relacionada à aids morreram de tuberculose, incluindo 40 mil crianças.
"O progresso que fizemos é notável, particularmente em relação ao tratamento, mas ele também é incrivelmente frágil", disse Sidibé. "Novas ameaças estão surgindo e, se não agirmos agora, corremos o risco do ressurgimento [da epidemia] e da resistência [ao tratamento]. Já vimos isso com a tuberculose. Não devemos cometer os mesmos erros novamente."
O documento descreve que um grande número de pessoas em maior risco de infecção pelo HIV e as que vivem em áreas com alta incidência estão ficando sem acesso aos serviços de saúde em momentos críticos de suas vidas, abrindo a porta para novas infecções pelo vírus e aumentando o risco de morte por doenças relacionadas à aids.
O relatório examina as lacunas e abordagens necessárias nos programas de HIV ao longo do ciclo de vida das pessoas e oferece soluções adaptadas de prevenção e tratamento do HIV para todas as fases da vida.
"Só será possível acabar com a epidemia de aids se nos unirmos e se cada um fizer o que está dentro do nosso escopo, de forma criativa e abraçando fortemente as metas 90-90-90", disse Eunice Makena Henguva, diretora de Projeto de Empoderamento Econômico da Namíbia para a Rede Namibiana de Saúde para as Mulheres.
Transmissão vertical diminui 50% em cinco anos
Globalmente, o acesso a medicamentos contra o HIV para prevenir a transmissão do vírus de mãe para filho aumentou para 77% em 2015 (acima dos 50% registrados em 2010). Como resultado, as novas infecções por HIV entre crianças diminuíram 51% desde 2010.
O relatório destaca que das 150 mil novas infecções pelo HIV em crianças em 2015, cerca de metade se deu através da amamentação. O levantamento ressalta que a infecção pela amamentação pode ser evitada se as mães que vivem com HIV tiverem apoio para continuar a tomar medicamentos antirretrovirais, permitindo-lhes amamentar com segurança e garantir que seus filhos recebam os importantes benefícios protetores do leite materno.
A testagem para o HIV também continua sendo uma questão importante. O relatório mostra que apenas quatro dos 21 países prioritários na África forneceram teste de HIV a mais da metade dos bebês expostos ao vírus nas primeiras semanas de vida. Também relata que, na Nigéria, que responde por mais de um quarto de todas as novas infecções por HIV entre crianças no mundo, apenas metade das mulheres grávidas soropositivas são testadas para o vírus.
O relatório enfatiza que são necessários mais esforços para expandir a testagem de HIV entre mulheres grávidas, expandir o tratamento para crianças e melhorar e expandir o diagnóstico precoce do recém-nascido usando novas ferramentas de diagnóstico e métodos inovadores, como lembretes via SMS, a fim de garantir a adesão de mães que vivem com HIV e seus bebês ao tratamento e aos cuidados de saúde.
O documento também encoraja os países a adotarem as metas do marco Start Free, Stay Free, AIDS Free (Comece Livre, Permanaça Livre, Livre da AIDS) liderado pelo Unaids e pelo Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Combate à Aids (PEPFAR) com objetivo de reduzir o número de novas infecções por HIV entre crianças, adolescentes e mulheres jovens e de garantir o acesso ao tratamento antirretroviral durante toda a vida se estiverem vivendo com o HIV.
Adolescentes e adesão
O relatório mostra que as idades entre 15 e 24 anos são uma fase muito perigosa para as mulheres jovens. Em 2015, cerca de 7.500 jovens foram infectadas pelo HIV a cada semana em todo o mundo. Dados de estudos realizados em seis locais da África oriental e austral revelam que meninas com idades entre 15 e 19 anos representavam 90% de todas as novas infecções por HIV entre as meninas de 10 a 19 anos na África austral, e mais de 74% na África oriental.
Globalmente, entre 2010 e 2015, o número de novas infecções por HIV entre mulheres jovens de 15 a 24 anos foi reduzido em apenas 6%, passando de 420 mil para 390 mil. Para atingir o objetivo de menos de 100 mil novas infecções por HIV entre meninas adolescentes e mulheres jovens até 2020, será necessária uma redução de 74% nos quatro anos entre 2016 e 2020.
Muitas crianças que nasceram com HIV e sobreviveram estão agora entrando na idade adulta. Estudos de 25 países, feitos em 2015, mostram que 40% dos jovens entre 15 e 19 anos foram infectados pela transmissão do HIV de mãe para filho. Esta transição também está ampliando outro grande desafio - um número elevado de mortes relacionadas à aids entre os adolescentes. Adolescentes vivendo com HIV têm as mais elevadas taxas de baixa adesão à medicação e de falha terapêutica.
Diversas soluções são necessárias para responder às necessidades específicas dos adolescentes, incluindo o aumento dos esforços de prevenção do HIV, mantendo as jovens meninas e rapazes na escola, aumentando a testagem para HIV e a circuncisão masculina médica voluntária, a profilaxia pré-exposição (PrEP) e o acesso imediato à terapia antirretroviral.
Populações-chave
Estima-se que, globalmente, 45% de todas as novas infecções por HIV em 2014 estavam entre membros de populações-chave e seus parceiros sexuais. O relatório alerta que novas infecções por HIV continuam a aumentar entre as pessoas que usam drogas injetáveis (cerca de 36% de 2010 a 2015) e entre homens gays e outros homens que fazem sexo com homens (cerca de 12% de 2010 a 2015). Além disso, as novas infecções tampouco estão declinando entre profissionais do sexo ou pessoas trans.
O relatório descreve a necessidade crítica de alcançar as populações-chave com programas de prevenção e tratamento do HIV que atendam às suas necessidades específicas ao longo de suas vidas. No entanto, os níveis totais de financiamento estão muito abaixo do necessário para que os programas de HIV cheguem a essas populações, particularmente o financiamento vindo de fontes domésticas.
Idade adulta
Em julho de 2016, no relatório sobre Lacunas na Prevenção do HIV, o Unaids alertou que os esforços de prevenção não estão funcionando para os adultos e as novas infecções por HIV entre eles não tem apresentado queda há pelo menos cinco anos. O relatório cita as preocupações de que a África ocidental e a central estão fora da chamada Via Rápida para Acelerar a Resposta ao HIV. A região é responsável por 18% das pessoas que vivem com o HIV, mas o baixo acesso ao tratamento faz com que a região responda por 30% de todas as mortes relacionadas à aids em todo o mundo.
O relatório lança nova luz sobre a infecção pelo HIV e o tratamento entre homens adultos, mostrando que os homens são muito menos propensos a conhecer o seu estado sorológico positivo para o HIV e a ter acesso ao tratamento, em comparação com as mulheres. Um estudo realizado em KwaZulu-Natal, na África do Sul, mostrou que apenas 26% dos homens estavam cientes de que eram soropositivos, apenas 5% estavam em tratamento e que a carga viral entre os homens vivendo com HIV era extremamente alta, tornando muito mais provável a transmissão do vírus a outras pessoas.
O documento do Unaids também mostra que, a cada ano, cerca de 100 mil pessoas em países de baixa e média rendas, com idade igual ou superior a 50 anos, estão propensas a adquirir o HIV, confirmando a necessidade de incluir pessoas dessa faixa etária em diante na prevenção, no tratamento e nos programas para o HIV.
À medida que as pessoas vivendo com HIV envelhecem, elas também correm o risco de desenvolver efeitos colaterais de longo prazo, decorrentes do tratamento antirretroviral, desenvolvendo resistência aos medicamentos e exigindo tratamento de comorbidades, como tuberculose e hepatite C, que também podem interagir com terapia antirretroviral. Pesquisas e investimentos contínuos são necessários para descobrir tratamentos mais simples e mais toleráveis para o HIV e para as comorbidades, bem como para descobrir uma vacina e a cura para o vírus.
Soluções para todos, em todas as fases da vida
O relatório conclui que os investimentos devem ser feitos de forma sensata ao longo do ciclo de vida, usando uma abordagem com foco em localidade e população, para garantir que os programas de alto impacto e orientados por evidências estejam disponíveis nas áreas geográficas e entre as populações mais necessitadas.
A publicação exorta os países a continuarem no processo de aceleração da resposta para prevenção, testagem e tratamento para o HIV, a fim de pôr fim à epidemia de aids como ameaça à saúde pública até 2030 e de assegurar que as gerações futuras vivam livres do HIV.
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