A aprovação da PEC 55 (Proposta de Emenda Constitucional), pelo Senado Federal, em segundo turno, na terça-feira (13), vem provocando protestos em várias cidades. Sindicatos, partidos de oposição, representantes de diversas entidades seguem convocando atos contra a medida, que já passou pela Câmara e deve se tornar lei amanhã (15). Ativistas da aids, igualmente indignados, prometem lutar contra a medida, pois estão certos de que ela vai trazer muito prejuízo à já combalida área da saúde. A ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) já começou denunciando, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o encaminhamento da medida ao Senado.
“Lutar contra essa PEC é uma ação que não deve ser minha ou do movimento de aids, mas de todo cidadão, pois ela afeta a todos nós”, defende Renato da Matta, presidente da ANSDH (Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humano). “É necessária a mobilização da sociedade como um todo. Estamos caindo num abismo social. A PL 6427, por exemplo, quer desaposentar pessoas que recebem o auxílio-doença.”
Uma das principais apostas do governo Temer, a PEC 55 prevê o congelamento dos gastos públicos por até 20 anos, o que, segundo especialistas e ativistas, ameaça, além da saúde, outros investimentos públicos, como na educação. Há quem não acredite em vida longa para esta PEC, mesmo ela virando lei.
“Os prejuízos a partir de 2018 [data marcada para o congelamento] serão imensos”, diz Rodrigo Pinheiro, presidente do Foaesp (Fórum de Ongs/Aids do Estado de São Paulo). “Fazendo uma análise, acredito que não durará muito tempo. Isso refletirá diretamente nos estados e municípios -- estes não suportarão as demandas que não conseguirão atender.”
Rodrigo Pinheiro defende que o movimento de aids continue pressionando para “derrubar” a PEC o mais rápido possível , junto com todos os movimentos ligados à saúde. Assim também pensa Henrique Ávila, coordenador da RNAJVHA (Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids).
“A gente sabe que até 2018 eles não vão congelar os gastos da saúde. Dentro desse período, estamos esperando a implantação da PrEP (profilaxia pré-exposição). Temos de pensar juntos no que podemos fazer para reverter esse retrocesso e minimizar os impactos que a saúde pode sofrer”, comenta Henrique Ávila. “Mais que nunca é preciso que todo o movimento de aids esteja unido, à frente de todos os espaços de controle social, pela manutenção dos direitos.”
O ativista Pierre Freitaz, da LAC+ (Rede Latino Americana e Caribenha de Jovens Vivendo com HIV), destaca que a aprovação da PEC 55 pelo Senado, “que está com sua popularidade no lixo”, é uma violação dos direitos sociais garantidos na Constituição de 88. “Diversos mecanismos internacionais apontam que a PEC trará mais desigualdade e pobreza. Também que os impactos na saúde e na educação serão assustadores.”
Pierre vai direto ao ponto que mais interessa às pessoas vivendo com HIV/aids. “Estou bem apreensivo pois acho que, num futuro próximo, tenhamos dificuldades de acesso aos antirretrovirais. O sucateamento da saúde já acontece e, com essa PEC, será rotineiro. Se já estamos com diversas dificuldades nos serviços em relação à inclusão das pessoas que acabam de descobrir sua sorologia, em que a primeira consulta demora no mínimo 60 dias, com menos recurso este problema será cada vez maior.”
Heliana Moura, do MNCP (Movimento Nacional das Cidadãs Positivas), também se diz temerosa quanto ao futuro na saúde. “Ela vai precarizar mais ainda o que já é insatisfatório. Teremos um impacto muito negativo para as ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), com comprometimento da prevenção, do tratamento e da assistência. Mais que nunca, os movimentos de luta contra aids e de pessoas com hepatites têm de se unir a outros movimentos para essa luta em defesa da democracia e dos direitos humanos que, a cada dia, se torna mais e mais difícil.”
Vando Oliveira, representante da RNP ( Rede Nacional das Pessoas Vivendo com HIV/Aids) também se preocupa com o tratamento dos soropositivos. “Essa PEC é a derrota do movimento de aids e da maioria do povo brasileiro. A curto e médio prazos, pode impedir a incorporação de novos medicamentos e de novas tecnologias de tratamento e prevenção. Inclusive, pode inviabilizar a implementação da PrEP em 2017. As pessoas com HIV precisam reagir. A cada dia mais e mais têm direitos são perdidos. A MP 739, a reforma da previdência e a PEC 55. Tudo isso as afeta. A palavra de ordem é reagir, resistir e não aceitar #NemUmDireitoAMenos.”
“A PEC 55 é a carta de genocídio oficializada pelos nossos governantes. É preciso uma desobediência civil entre os movimentos sociais . O governo deve ser responsabilizado por esses desrespeitos aos direitos humanos . Os políticos têm tomado atitudes que equivalem a apagar fogo com álcool”, diz José Araújo Lima Filho, do Epah (Espaço de Atenção Humanizada).
Carlos Henrique de Oliveira, da Rede de Jovens São Paulo Positivo (+), cita números: “A PEC 55 representa para a saúde pública a perda de R$ 743 bilhões em investimentos, o que significa, na prática, a precarização generalizada dos serviços, uma mudança total na noção de financiamento público do SUS [Sistema Único de Saúde], um aumento do incentivo a planos de saúde populares, enfim, uma vitória para o lobby do setor privado de saúde.”
O ativista lembra que a Rede de Jovens SP+ sempre se posicionou contra a PEC 55 do teto dos gastos públicos, por enxergar nela uma forma de aumentar a mortalidade e o adoecimento das populações mais vulneráveis, sobretudo a juventude e a população negra e pobre. “Até nossa universalidade no acesso aos medicamentos pode ser posta em xeque. O movimento de aids, como todo o movimento social de saúde pública, precisa ter uma postura focada em pautas com o sotaque dos direitos humanos e sociais predominando todas as agendas, defendendo o SUS. Temos de lutar para que não se fechem hospitais, serviços de saúde, não se retire mais direitos das pessoas com HIV.”
Professor de medicina da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Mário Scheffer destaca que, na prática, a PEC 55 deve tirar poder de investimentos principalmente no SUS. "Ao contrário do que o governo diz, o piso vai ser o teto para os investimentos em saúde até 2036, que não só sofrerão perdas, como terão um retrocesso", afirmou à “Folha de S. Paulo”.
De acordo com o especialista, a maior parte da receita dos hospitais privados – exceto os que são apenas privados – advém do SUS. "Pelo menos 70% dos leitos do SUS estão em hospitais privados; além disso, o SUS movimenta um complexo econômico que abrange ainda a indústria farmacêutica. Atrelar investimentos à inflação, com aumento do público atendido, não só vai reduzir o poder de compra do SUS como impactar todo esse complexo, que tem produtos e serviços, mas também emprega muita gente", enfatizou.
Para Josimar Pereira, secretário executivo do Fórum de ONGs/ Aids do Estado do Rio de Janeiro, a hora já não é mais de manifestação e sim de negociação. “O Rio de Janeiro, por exemplo, está falido. A saúde aqui já vive grandes dificuldades para atender as diretrizes do Ministério da Saúde em relação aos novos casos de HIV. Temos de tentar conversas com os novos gestores que entram em 2017. Trabalhar muito e sério para tentar garantir direitos e investimentos.”
Segundo uma pesquisa Datafolha realizada com 2.828 pessoas entre os dias 7 e 8 de dezembro, 60% dos brasileiros são contrários à PEC 55, 24% se mostraram favoráveis, 4% se disseram indiferentes e 12% não souberam responder.
Dicas de entrevistas
Rodrigo Pinheiro - Foaesp
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