quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Dom Paulo Evaristo Arns deixa seu legado de defesa das pessoas com HIV/aids


São muitos os legados de direito à vida deixados por dom Paulo Evaristo Arns e é importante registrar sua herança também na defesa das pessoas vivendo com HIV/aids.  O cardeal, que morreu na manhã desta quarta-feira (14), aos 95 anos, nos tempos em que foi arcebispo emérito de São Paulo, abriu as portas da igreja para o acolhimento dos soropositivos, logo no início da epidemia de aids. Em 1995, se opondo aos dogmas do Vaticano, disse que o uso da camisinha era um mal menor. Foi assim que apoiou o uso do preservativo como forma de evitar a infecção pelo HIV.
“Lá no início da epidemia, nós distribuíamos preservativos. Então, a imprensa começou a nos criticar, pois a Igreja se posicionava contra os métodos contraceptivos. Dom Paulo queria dizer que se pensassem nas mortes por causa da aids e nas novas infecções, o incentivo ao uso da preservativo era ‘dos males o menor’. Então, que o usassem”, contou Frei Mario Tagliari, franciscano guardião do Convento São Francisco de São Paulo.
Uma pessoa de fala mansa, que fez da arquidiocese de São Paulo um referencial político, considerado um progressista na década de 1980, Dom Paulo teve seus direitos reduzidos pelo Papa João Paulo II.
Frei Mario conviveu muito com ele e lembra que, nos anos 80 e 90, o cardeal esteve na vanguarda da posição da igreja em relação ao acolhimento das pessoas vivendo com HIV.
“Na época, ele apoiou dois projetos: o Alivi (Associação Aliança pela Vida) e o Cefran (Centro Franciscano de Luta Contra Aids). Naquele tempo também, o frei Reynaldo Ameixeira o procurou e apresentou uma proposta de trabalho de acolhimento às pessoas com HIV. Dom Paulo apoiou e deu sua bênção. O Convento São Francisco abriu suas portas. Os que vinham eram profissionais do sexo, travestis e outros perfis que hoje são chamados de população-chave. Para nós do convento, era inusitado poder conversar, passar o dia com essas pessoas e fazer acolhimento Ele foi muito importante na abertura da igreja para essas ações”, disse Frei Mario.
No ano 2000, num grande seminário que reunia lideranças católicas na cidade de Itaici, o cardeal manteve sua polêmica defesa ao uso da camisinha, que foi lembrada pelo jornalista Liandro Lindner. “Depois de sua fala aplaudida abriu-se espaço para perguntas. Fui o primeiro a levantar a mão, indo direto ao ponto: ‘É verdade que o senhor considera o uso da camisinha como um mal menor?’ Ele não titubeou e respondeu no ato: ‘Entre a proibição do uso do preservativo e a vida, eu fico com a vida sempre’”,  contou o jornalista.
A deputada federal Luiza Erundina (PSOL), em seu discurso, na Câmara dos Deputados em Brasília, lamentou a morte do cardeal: "Ele teve uma vida inteiramente dedicada aos direitos humanos, à construção da paz, na defesa da liberdade democrática. O Brasil e o mundo devem estar consternados com a perda e a partida deste grande profeta, um homem de Deus. Quero me congratular com os familiares, me solidarizar como todos aqueles que o conheceram, que tiveram, de sua parte, o apoio de conviver em harmonia, em paz e em fraternidade com os seus irmãos. Eu lastimo que este ocorrido tenha se dado nestes dias trágicos da vida do país.”
Entre os ativistas que lutam diariamente contra a aids, Betinho Pereira, presidente da ONG Bem-Me-Quer e cofundador da Pastoral da Aids, também pôde vivenciar as boas ações do cardeal. Betinho diz que nos tempos de sua formação teológica, dom Paulo derrubou muralhas morais da Pontifícia Faculdade Assunção para lhe ajudar nos estudos.
“Ele também sempre esteve presente nas obras do Cefran. Inaugurou a nossa sede no Belenzinho, quando eu era diretor e me ajudou muito. Ele foi incrível no amparo aos pobres, oprimidos e excluídos. Com relação à aids, também é fundador do Projeto Esperança. Foi muito impactante ter uma unidade em todas as regiões de São Paulo. Quando a aids era uma comissão da Pastoral de Saúde, ele foi um grande articulador para o início da Pastoral da Aids. Dom Paulo foi um grande defensor das pessoas vivendo com HIV”, afirmou Betinho.
O provincial dos franciscanos, Frei Fidêncio Vanboemmel, da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, publicou uma mensagem oficial sobre o falecimento de dom Paulo Evaristo Arns: “O seu testemunho iluminou e encorajou não só a nós, seus confrades, mas a vida religiosa e a vida dos cristãos, especialmente na América Latina, onde foi uma liderança ímpar, principalmente nas assembleias de Puebla e Medellín, da Conferência Episcopal Latino-americana. E o que dizer dos tempos da ditadura militar, quando se fez voz dos sem voz? (...) Que dom Paulo, o incansável homem da esperança, ore pela nossa Pátria que neste momento vive uma profunda crise institucional, carente de ética e de cuidados para com os mais pobres, os doentes, os sedentos de justiça e paz”, diz um dos trechos da mensagem.
Enterro e velório
Segundo a Arquidiocese de São Paulo, o corpo de dom Paulo será sepultado na cripta da catedral, na sexta-feira (16), após celebração presidida pelo cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano, às 15h. Durante o período do funeral, serão realizadas missas a cada duas horas.
O velório estava marcado para começar às 19h desta quarta-feira (14).

Saiba mais

Redação da Agência de Notícias da Aids 

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