sexta-feira, 31 de março de 2017

Pessoas com HIV e profissionais de saúde trocam experiências na 11ª edição do Encontro Relações Humanas, em São Paulo



O termo portador do HIV é incorreto, as pessoas portam objetos, como carteira de identidade. Nós, somos pessoas sorologicamente positivas para o HIV". "A palavra contaminada para se referir ao soropositivo também é errada, o certo é infectado, alimentos são contaminados e apodrecem, nós não". Essas e outras frases foram citadas na tarde dessa quinta-feira (30), na primeira atividade da 11ª edição do Encontro de Relações Humanas em HIV/Aids, em São Paulo. O evento é uma iniciativa do Instituto Vida Nova e reúne quase 70 pessoas da Região do Alto Tietê.
Na dinâmica de apresentação, a palavra aprendizado foi a mais usada pelos participantes para justificar a presença deles no evento. "Estamos aqui para fazer uma reflexão sobre o HIV levando em conta os aspectos clínicos, psicossocial e político. Este não é um espaço deliberativo, aqui vamos trocar experiências e conhecer novas histórias de luta", disse Américo Nunes, idealizador do evento e um dos fundadores do Vida Nova.
Na primeira discussão, os participantes se dividiram em três grandes grupos para debater até que ponto a sorologia HIV+ é positiva.  A roda de conversa que uniu as pessoas que receberam o diagnóstico há mais de 12 anos foi mediada pela ativista Brunna Valin, do Centro de Referência da Diversidade. "Chegamos à conclusão de que a vida é maravilhosa mesmo com HIV e o diagnóstico é positivo a partir do momento em que nos aceitamos. Além disso, ficou claro que é muito importante para a pessoa com HIV participar de grupos de apoio, nos fortalece. Nestes espaços trocamos carinho, amor."
Brunna também usou um trecho da música "Depende de Nós", de Ivan Lins, para expressar o debate no grupo: "Depende de nós quem já foi ou ainda é criança. Que acredita ou tem esperança. Quem faz tudo pra um mundo melhor. Depende de nós que o circo esteja armado. Que o palhaço esteja engraçado. Que o riso esteja no ar sem que a gente precise sonhar..."
Integrante da Rede de Jovens São Paulo Positivo, Felipe Pombo, esteve no grupo das pessoas com o diagnóstico recente. "As palavras superação e luta apareceram muito neste bate-papo. E ficou claro que as pessoas estão aprendendo a lidar cada vez mais com o HIV de forma saudável, o que elas precisam é de mais espaços para compartilhar as suas histórias. Tem gente que quer falar sobre as várias dificuldades que enfrentamos no dia a dia, como a falta de emprego ou a dificuldade de acessar um serviço de saúde."
Segundo Felipe, o grupo acredita que o mais importante é dar um significado para a vida. "Às vezes o HIV surge em nossas vidas e nos dá a oportunidade de repensar o sentido que ela tem. Mas só quando nos aceitarmos, estaremos prontos para enfrentar os desafios, o preconceito e a discriminação que as pessoas com HIV/aids sofrem."
O grupo mediado pelo ativista da RNP+ Sol de Araraquara, Alberto Andreoni, elencou alguns pontos positivos e negativos de viver com HIV/aids. "Algumas pessoas disseram que estão descrentes no amor, outros nem acreditam mais neste sentimento. Mas é fato que as pessoas soropositivas têm dificuldades de se relacionar com outras pessoas. O diagnóstico vem com uma carga grande de preconceito e nos remete a morte, as pessoas ficam sem chão."
Alberto contou que os participantes aproveitaram a presença de psicólogos no grupo e fizeram um agradecimento especial a estes profissionais da saúde que sempre os acolhem. "O momento da descoberta é bem difícil, geralmente a pessoa tenta encontrar uma luz, mas nos deparamos com o sofrimento. São estes profissionais também nos ajudam a continuar caminhando."
O ativista Américo explicou aos participantes que a ideia da atividade era dar a oportunidade de todos compartilharem suas experiências. "Quem recebeu o diagnóstico recentemente chega neste espaço com muitos conflitos e precisa ser ouvido. Quem já vive com HIV a mais tempo pode falar sobre como aprendeu a lidar com a doença, mas é importante lembrar que antes do HIV todos tínhamos um problema na vida, o vírus não é o nosso único problema."
Aspectos políticos
Para falar sobre o primeiro eixo do Relações Humanas, os aspectos políticos, o convidado foi o presidente do Foaesp (Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo), Rodrigo Pinheiro.  O mediador da mesa, o jornalista Liandro Lindner, quis saber de Rodrigo quais são as dificuldades que o movimento social de luta contra a aids enfrenta para garantir direitos.
"Hoje, vivemos um desmantelamento do SUS [Sistema Único de Saúde] e a aids está inserida neste sistema.  A PEC do Teto foi aprovada e o governo vai congelar gastos por 20 anos, isso inclui inclusive a saúde e educação."
Rodrigo criticou ainda as novas regras de financiamento do SUS. Em fevereiro, o Ministério da Saúde anunciou uma nova medida que prevê uma série de alterações no repasse de verba para estados e municípios.
Até agora, os repasses tinham destinos específicos e eram divididos em seis diferentes contas: atenção básica; atenção de média e alta complexidade; vigilância; assistência farmacêutica; gestão e investimentos. A partir da mudança, o repasse será dividido em apenas duas contas: custeio e investimentos. Ou seja, os gestores terão mais liberdade para investir mais ou menos em determinados setores.
"É um retrocesso, quem vai garantir que os secretários de saúde vão continuar investindo em ações contra a aids? Nos, do controle social, temos que ficar atentos e ocupar os conselhos de saúde para que a verba para a ações de luta contra a aids seja mantida", declarou Rodrigo.
O militante lembrou que a aids não é só saúde, há também o aspecto social da doença. "Temos que conversar com todo mundo e mobilizar cada vez mais pessoas para essa luta. Hoje, há uma desmobilização dos movimentos sociais e a política partidária tem afastado as pessoas."
Ele considera, por exemplo, que a última conquista importante da luta contra a aids foi a aprovação da lei Sarney, em 1996, quando garantiu acesso ao tratamento antirretroviral para todos no Brasil. "O movimento de aids está fragmentado e isso enfraquece. Acredito que os nossos direitos já conquistados estão ameaçados."
O evento termina nesta sexta-feira (31) e recebe o apoio do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo.
Dica de entrevista
Instituto Vida Nova
Tel.: (11) 2797-1516
Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

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