segunda-feira, 3 de abril de 2017

A aids e o diálogo com a saúde integral – Resistir para avançar!



03/07/2017 - Estamos perto do dia 07 de abril, data em que deveríamos comemorar o Dia Mundial da Saúde enquanto direito fundamental ligado a vida. Este é um princípio básico dentre os direitos sociais que estabelece os requisitos para o bem-estar social. Vale refletir muito, especificamente, sobre  a atual  situação  do Brasil.
Como não haveria de ser e seguindo a famosa lei de Murphy, estamos caminhando para uma tendência perigosa de ‘quanto pior, melhor’ na dedicação com que o Brasil vem priorizando a saúde de nosso povo. Sinais obscuros de diversos governos que deixaram historicamente de dar a devida atenção a essa política causam o acirramento de uma tendência neoliberalizante bastante clara, de transformar o direito em produto de venda e comércio, e tenta desvirtuar a maior conquista cidadã da nossa história.
Não são poucas as ameaças postas por modificações indicadas pelo atual governo e aprovadas no Congresso Nacional. Por força de acordos e barganhas do nosso sistema ‘toma lá, dá cá’, que vão desde a aprovação e sanção do Projeto de Lei (PL) 4.302 de 1998, da terceirização em toda e qualquer atividade de modo irrestrito, que poderá afetar enormemente a força de trabalho em saúde, principalmente sob contratos. Buscando precarizar ainda mais os direitos dos trabalhadores (as), temos o Projeto de Lei Complementar PLC 30/2015, que permitiria a terceirização sem limites, o que mostra uma clara intenção de protecionismo ao empresariado.
Em detrimento dos direitos estabelecidos pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), ainda temos apoiando esta tendência o PL 4.193/2012 e a PEC 300/2016, que buscam instituir a prevalência de acordos coletivos sobre a legislação trabalhista, a famosa preponderância do “Acordado sobre o Legislado”. Para os que não estão por dentro dos assuntos relacionados à saúde  ou  ao  campo  dos  direitos trabalhistas, isso implicaria diretamente por abrir a possibilidade de prejudicarmos todas as classes de trabalhadores da saúde, ou até mesmo os trabalhadores que já são terceirizados e estão envolvidos nas ações de saúde como segurança, limpeza, entre outros , assim, na piora das condições de acesso, acolhimento e humanização sobre os usuários do SUS (Sistema Único de Saúde).
Seguindo o rumo da mirabolante ideia de diminuir o papel do Estado e aumentar a responsabilidade do setor privado na área da saúde pública, ainda temos como propostas vindas do próprio Ministério da Saúde, os Planos Acessíveis de Saúde, com a instituição de um Grupo de Trabalho pela Portaria 1.482 / GM/MS de Agosto de 2016, e com um produto enviado a ANS (Agencia Nacional de Saúde Suplementar), sob a forma de oficio 060-GS/SAS, que busca indicar uma maior participação do setor privado num sistema já regulado há bastante tempo.
Tratar desta forma a diminuição do papel de oferta de serviços do SUS, aumentando a força do setor privado de planos de saúde, destacando a população que prefere o sistema de saúde privado ao público’, demonstra um claro conflito de interesses, que não corrobora com o direito constitucional da saúde ser um dever do Estado, através de políticas públicas e financiamento adequado para tal, onde ao setor complementar caberia ser regulado, e não estimulado como substitutivo ao modelo público.
Diante das possíveis modificações na estrutura da saúde, ou de espaços de decisão e sistemas que afetam a saúde,  cumpre  lembrar  ainda que  temos  importante matéria sendo tratada no Congresso Nacional, como o Projeto de Lei Suplementar - 200/2015, referente ao sistema de ética em pesquisa no país. A proposta afetaria diretamente não só o sistema que é regulado atualmente pela Conep, importante comissão interna do Conselho Nacional de Saúde e responsável pela discussão e aprovação dos protocolos de pesquisa com seres humanos, como afetaria indiretamente todos os usuários do SUS. Basta esclarecer que, para além do sujeito de pesquisa, todo e qualquer produto de saúde oriundo de patente, inclusive medicamentos e insumos, um dia passaram ou serão aprovados por pesquisas com seres humanos, garantindo que o direito do usuário esteja acima de tudo.
Querer transformar o sistema da ética em pesquisa num modelo privatista que ocorre em outros países do mundo, não faz meramente tirar do SUS sua autonomia de defesa dos direitos dos cidadãos que participam de pesquisas, mas busca acirrar ainda mais a disputa por um ‘campo de mercado’ que mais faz lobby e pressiona governos a cederem a lógica de mercado, sem se preocupar com os malefícios produzidos  posteriormente. 
Nesta   discussão, que   estabelece   grandes nichos   de   mercado   para   o financiamento direto por parte do governo brasileiro, principalmente para o desenvolvimento e a comercialização de medicamentos, existe muita disputa sendo travada e que precisa ser visibilizada para a população.
Ainda neste sentido, novas ideias de reduzir as formas de repasse do financiamento acumulados pela instituição histórica de seis blocos de financiamento, dispersos em 882 linhas diferenciadas de contas aos estados e municípios, podem trazer sérios riscos ao cumprimento da Lei Complementar 141/2012, principalmente no tocante ao estabelecido como ações de saúde e outras que não são consideradas pertinentes a saúde pública.
Com a proposta intitulada “SUS Legal”, apresentada na CIT (Comissão Intergestores Tripartite), em janeiro deste ano, temos um grande desafio neste aspecto - a necessidade de desburocratização do financiamento, haja visto que o mesmo se tornou o mecanismo mais utilizado para a indução de políticas especificas. Este mecanismo de ‘identidade do financiamento” vinha configurando o repasse sobre vários aspectos, desde o acesso pela atenção básica, média e de alta complexidade, a humanização e acolhimento em linhas de cuidado para a população em geral ou populações específicas, a gestão e o controle social do sistema, bem como diversas situações como a de tratar das patologias e doenças raras e negligenciadas. Isto para citar apenas pequena parte do todo.
Cabe a nós questionar, neste atual governo, como fazer as modificações propostas sem uma ampla consulta, tanto a sociedade como ao segmento de gestão do SUS, bem como permitir ao controle social da saúde exercer sua função de resguardar que qualquer modificação seja avaliada em sua constitucionalidade e segurança jurídica.
Temos clareza de que um governo não pode utilizar de mecanismos para mudar aspectos primários da legislação, como as leis que regulam o SUS, apenas modificados por força de instrumentos secundários como portarias, que não possuem poder para tanto. Sem falar na segurança política necessária ao cumprimento de tantas políticas de saúde, que tratam de cumprir inclusive acordos internacionais a que o Brasil se tornou signatário na ONU, como as metas de enfrentamento da epidemia da aids e tantas outras políticas de reparação e inclusão social promovidas no âmbito da saúde.
Mas, especificamente na discussão da aids e seu enfrentamento no país, podemos ter várias repercussões sobre a política nacional e os rumos relacionados a contenção ou a perda da capacidade de erradicar a epidemia no Brasil. Temos cenários muito difíceis a enfrentar:
- Um diálogo restrito e pouca capacidade de financiamento efetivo das organizações da sociedade civil (OSC) na base do sistema, em projetos comunitários e focados em populações especificas, para além da testagem;
- Mudanças nos critérios do Protocolos Clínicos de Diretrizes Terapêuticas da Aids, que não dialogam com outras políticas, a exemplo das arboviroses (retirada do CD4 como exame);
- Falta de um modelo de construção participativa para uma Programação Anual de Saúde (PAS), para controle da aids, hepatites virais e HTLV, bem como as IST (Infecções Sexualmente Transmissível), estabelecendo novas prioridades em saúde relacionadas a estes agravos, com participação das OSC;
- Inexistência de documentos a sociedade civil, ou espaços para prestação de contas anuais, das epidemias de aids, hepatites virais e outras IST, que corrijam rumos e produzam efeitos positivos sobre o enfrentamento destes agravos;
- Estabelecimento de uma “política nacional de saúde integral para pessoas afetadas pelo HIV, hepatites e HTLV”, que trabalhe as linhas de cuidado especificas e uma cascata de cuidados mais efetiva e dialógica com os serviços de IST/Aids e HV;
- Defesa dos SAEs (Serviços Especializados de IST/Aids e Hepatites Virais) como espaço reconhecido de “porta de entrada” e parte integrante do SUS, conforme o Decreto 7.508 de 2011 (COAP), fazendo a conexão deste com a atenção básica em saúde, e a média e alta complexidade, resguardando o financiamento especifico e continuo;
- Uma nova condução na comunicação em saúde que trabalhe a prevenção e os direitos humanos, sem informações discriminantes ou criminalizantes, contrapondo tendências como o PL 198/2015, e campanhas desconectadas da realidade;
Chegar, portanto, a este Dia Mundial da Saúde reflete neste momento a necessidade de garantir a manutenção de muitos avanços conquistados ao longo de décadas e estabelecer os  novos rumos de defesa a direitos fundamentais ameaçados.
Não temos um momento de comemoração, mas, ao mesmo tempo, torna-se um fato motivador da mobilização popular e de todos os atores envolvidos na discussão da saúde como direito de cidadania. Precisamos dar conta das muitas perguntas pendentes: Qual a saúde que queremos, a partir da visão de quem usa o sistema? Quando vamos incorporar a defesa do estado democrático de direito na luta pela saúde, não apenas como um benefício a ser utilizado na hora da necessidade? Como iremos encarar a mudança da lógica de diretrizes para a gestão e atenção à saúde neste país, se não incorporamos a nossa participação cidadã como fundamental?
De que forma vamos levar o clamor da sociedade para as ruas neste 7 de abril de 2017? Apenas aguardando as decisões do executivo e Congresso Nacional ou assumindo que o Estado deve se organizar para nos promover o bem-estar social fundamental?
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Anaids (Articulação Nacional de Luta contra a Aids) certamente se farão presentes e levarão suas bandeiras em defesa da saúde, que construímos nestas muitas décadas de defesa  do  SUS,  pois  ele  ainda  conforma-se  como  nossa  maior  conquista  cidadã,  e  patrimônio  do  povo brasileiro.
Portanto, convocamos todos para comungar da nossa luta através da campanha do CNS “Mais Direitos e Menos Depressão”, onde a crise econômica e financeira nacional, fruto da corrupção, não deve ser desculpa para a retirada dos nossos direitos fundamentais e cidadãos.
A vida não tem preço, a dignidade não virou produto, e a saúde não é comércio. Sigamos no mote da resistência, de que “Um outro Mundo é possível”!

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