terça-feira, 11 de abril de 2017

Em comemoração dos 30 anos de luta contra a aids, ABIA relembra solidariedade de Betinho no enfrentamento da epidemia



O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, mostrou há 30 anos que é com solidariedade que se enfrenta a aids. Essa foi uma das conclusões que ativistas e pensadores chegaram na noite desta segunda-feira (10), no evento que marcou os 30 anos da ABIA (Associação Interdisciplinar de Aids), no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. A ONG foi criada em abril de 1987, por Betinho, e é a segunda organização da sociedade civil de luta contra a aids no Brasil. "A ABIA nasceu num momento de pânico moral em torno da epidemia, o discurso era de medo e terror. Betinho foi o primeiro soropositivo a ocupar a direção de uma ONG/aids e a sua presença na ABIA marcou a importância da solidariedade com as pessoas vivendo com HIV/aids", afirmou o professor Veriano Terto, vice-presidente da entidade.
Veriano foi um dos convidados por Richard Parker, presidente da ABIA, para a mesa redonda "ABIA 30 anos de luta e solidariedade".  Para ele, a solidariedade adotada pela ABIA nas três décadas é um legado de Betinho. "Este conceito foi fundamental no apoio e construção de políticas públicas em defesa das pessoas com HIV/aids. A solidariedade estimula uma luta comum e o Interdisciplinar no nome ABIA reúne diferentes setores."
O professor lembrou de outro conceito que marcou a história da ONG nos primeiros anos da epidemia, a morte civil. " As pessoas com HIV morriam enquanto cidadãos antes mesmo da morte física, o preconceito e a discriminação sempre estiveram presentes na vida dos soropositivos.  A projeção e adoção da morte civil foi fundamental para a resposta aids no Brasil. A partir deste conceito, conseguimos garantir direitos e o mínimo de proteção para as pessoas", explicou Veriano.
Ainda segundo o pesquisador, a solidariedade e morte civil se juntaram em 1993, surgindo, assim, o conceito de cura defendido por Betinho. "Ele foi muito ousado na época, mal tínhamos o AZT e o DDI, medicamentos usados como monoterapia. Betinho sabia que não existia naquela época nenhuma vacina ou medicamento contra a aids, mas falar sobre cura foi uma forma de romper o fatalismo que envolvia o HIV. A ideia era mostrar que a cura era um horizonte possível e que deveria estar na agenda de luta, com empenho e determinação. Ele era um visionária e hoje o tema faz parte das discussões nos congressos internacionais", finalizou Veriano Terto.
Marcado por emoções e lembranças, o evento comemorativo reuniu amigos, gestores e pessoas que tiveram papel fundamental na construção da ONG. "A ideia é refletir sobre o contexto histórico do enfrentamento à epidemia", explicou Richard Parker. Além de Veriano, participaram da mesa redonda a pesquisadora Sônia Correa, co-coordenadora do Observatório Sexualidade e Política, o professor Fernando Seffner, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro do conselho fiscal da ABIA e a psicóloga Katia Edmundo, ex- coordenadora executiva da ABIA e diretora do Centro de Promoção da Saúde.
Educação
O professor Fernando Seffner seguiu a mesma linha de Veriano e falou da importância do trabalho da ABIA no campo acadêmico. Considerado um legado de Betinho e um dos principais pilares da ABIA, a produção e a disseminação da informação foram citadas inúmeras vezes no evento como um ponto positivo da ONG.  
"Estou convencido de que a ABIA sempre operou na construção de conceitos que inventam situações, a teoria indica saídas e ilumina os atores sociais. A ABIA levou para o campo acadêmico o conceito de viver com aids. Essa expressão nos traz a noção de solidariedade e cura da aids. São definições com frescor de palavras simples e cotidianas que incorporaram o arsenal analítico no campo da educação."
Fernando citou ainda a morte civil a partir das publicações da entidade. "A palavra já existia na literatura, mas ganhou longa vida na ONG. Além disso, a solidariedade deixou de ser uma palavra comum e passou a apontar um modo de construir a situação. Muitos conceitos acadêmicos ganharam vigor e produtividade a partir das publicações da ABIA", afirmou. Segundo o ele, a pedagogia da prevenção, que a ONG tem trabalhado atualmente, nos remete a ideia de que a atividade da prevenção está ligada a ordem pedagógica. “A introdução desse conceito nos conta duas coisas: articula coisas que a prevenção vem fazendo como pedagogia e nos mostra uma série de outras coisas que carecem ser discutidas."
Mulher e aids
A pesquisadora Sonia Correa fez uma reflexão sobre o espaço que a ABIA criou entre HIV/aids, feminismo e saúde sexual e reprodutiva. "As feministas resistiam muito quando o tema de discussão era mulher e aids. Lembro de um encontro de mulheres, em Caldas Novas, em que uma das oficinas era justamente este tema, ninguém apareceu. Então, mudamos a discussão para sexualidade da mulher no século 21, a sala ficou lotada."
Sonia relembrou também os primeiros anos da ABIA. "Nos anos de 1990 a ABIA fez uma série de publicações sobre aids e sexualidade. Fizemos alguns manuais sobre prevenção do HIV entre as mulheres. O momento também foi marcado pelos cursos de formação sobre saúde sexual e reprodutiva. Eram tempos de solidariedade, muitas pontes foram construídas. Tenho dito em vários espaços que era a era das políticas da amizade. No início de 1991, vivíamos um imaginário político inspirador."
Comunidade
A psicóloga Katia Edmundo, outra admiradora da ABIA, assegurou em sua fala que a aids é um fator de mobilização social e que foi a partir desta entidade e das publicações  que ela levou para as comunidades carentes do Rio de Janeiro  o conceito de prevenção. "A política de aids tem potência e é capaz de mobilizar. Quando a gente buscava instrumentos para trabalhar o tema nas favelas eram nas publicações da ABIA que encontrávamos as respostas. Sempre houve uma sinergia entre a ABIA e o diálogo com outros movimentos sociais."
Katia considera a instituição um “espaço importante de conexão com diferentes inteligências. A mobilização gerada pelo enfretamento da epidemia gera transformações, por exemplo, dentro de complexos do alemão, e de alguma maneira fortalece quem luta pela vida. A gente precisa, no campo da sociedade civil, acreditar que é possível construir novos conceitos. A ideia dos românticos conspiradores da prevenção me toca.”
Selo ABIA 30 Anos
Ainda como parte das comemorações de 30 anos, a ONG lançou oficialmente no Centro Cultural Banco do Brasil o Selo ABIA 30 Anos e um blog comemorativo, com imagens históricas para reforçar o papel da instituição na resposta à epidemia.
A coordenadora de comunicação da ONG, Angélica Basthi, explicou que o selos foi inspirado na linguagem do grafite por ser uma arte que expressa a rebeldia e os questionamentos por meio de uma estética moderna e atemporal.
"Para a ABIA, o grafite é uma arte de rua, de resistência, a expressão de várias vozes, onde qualquer parede de tijolo ou cimento é uma folha em branco a ser transformada em obra de arte. O selo traz a imagem de Betinho ao fundo e expressa a resistência e a luta da instituição por uma resposta eficaz à epidemia."
Homenagem
Representantes de diferentes organizações contra a aids fizeram questão de homenagear a ABIA nessa noite de segunda-feira. O presidente do Grupo Pela Vidda Rio de Janeiro, Márcio Villard (foto), lembrou que o grupo surgiu dentro da ABIA. "Os 30 anos desta ONG deveria ser uma celebração do movimento social brasileiro de luta contra a aids. Eu cheguei na ABIA num momento de efervescência total e o projeto HSH [homens que fazem sexo com homens] da ONG sempre será referência em minha vida."
A advogada Renata Reis também falou sobre a sua gratidão por ter feito parte da entidade. "Chegar na ABIA era sair de ambientes acadêmicos e encontrar liberdade e criatividade. A ONG sempre me proporcionou crescimento e oportunidades."
O cineasta Vagner Almeida, um dos membros mais antigos da ABIA, chegou à instituição em 1988. “Essa ONG é um tijolo de construção de base em minha vida. Aqui, sempre tive a oportunidade de trabalhar com a população HSH, levando em conta a construção da solidariedade. ”
De São Paulo, Maria Clara Gianna e Artur Kalichman, coordenadora e coordenador-adjunto do Programa Estadual de DST/Aids, respectivamente, prestigiaram o evento e parabenizaram a ONG. "A ABIA nos trouxe muitas contribuições no campo da gestão. Espero que possamos continuar aprendendo com vocês', disse Maria Clara. "Os materiais da ABIA que recebíamos no CRT em 1988 eram iluminadores, vocês conseguiram organizar as informações de forma muito rica. Lembro de um cartaz que dizia: ‘E se o teste deu positivo? Viva positivamente’. A autoafirmação da vida é fantástica”, completou Artur.
O evento terminou, segundo Richard Parker, como Betinho teria terminado, com um coquetel e cerveja. Estão previstas ainda para 2017 outras ações que vão marcar os 30 anos da instituição. "Queremos lançar campanhas virtuais para refletir sobre este momento atual e materiais com ênfase no legado de Betinho e da ABIA para o campo da aids", finalizou Richard.

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