sexta-feira, 19 de maio de 2017

EFE: A vergonha e o estigma de pedir preservativos na Bolívia



"Sua mãe sabe que você está comprando preservativos?" esta é a pergunta feita a algumas vezes aos jovens que vão comprar camisinhas em uma farmácia de Bolívia, um país onde o número médio de idade de início de relações sexuais é de 13 anos e o uso de anticoncepcionais tem ainda muito estigma.
De fato, o questionamento sofrido pela população jovem ao pedir métodos anticoncepcionais é uma das principais razões para que o uso de preservativos continue sendo muito baixo no país, segundo especialistas ouvidos pela Agência Efe.
"O que acontece com um jovem que vai a uma farmácia para pedir uma camisinha? Maltratam-no, julgam-no, criticam-no e no final não lhe vendem a camisinha", resumiu a ginecologista e diretora de Saúde da ONG internacional IPAS-Bolívia, Susana Asport.
A responsável pelo Programa de HIV e Aids do governo do país, Carola Valencia, contou que os jovens dizem ter "preconceito" de ir à farmácia porque lhes questionam o porquê de o pedirem e lhes fazem perguntas desse tipo.
Valencia pede às farmácias que "deem mais visibilidade" e "não deixem a camisinha escondida" para que simplesmente se possa pedir apontando e dizendo: "me dê três destas".
O Ministério da Saúde diz que não existem números oficiais de uso de preservativos porque são pesquisas caras, mas um pequeno estudo realizado pela IPAS, uma ONG que defende os direitos sexuais e reprodutivos, em El Alto (a segunda maior cidade do país) e La Paz, chama a atenção: somente 1,5% e 1,8% dos jovens entre 12 e 24 anos usam métodos anticoncepcionais.
Talvez isso explique outros números: em 2013 foram registrados o que equivaleria a 246 gestações por dia em adolescentes de 15 a 19 anos, segundo dados do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa). Em março de 2017, havia 18.624 casos de HIV e aids no país, ou seja, 17 a cada 10 mil pessoas viviam com o vírus ou a doença na Bolívia.
"O teste de detecção do HIV é anônimo e gratuito nos centros de saúde bolivianos, bem como o acompanhamento e tratamento com antirretrovirais", lembrou Valencia.
Por isso, a primeira coisa que os especialistas querem conseguir é romper esta barreira com as farmácias; a IPAS trabalhando com cursos de formação e o governo tentando que se possa distribuir preservativos também em outros locais, como em bares e discotecas.
Em uma rede de farmácias chamada Chávez, os donos lançaram um ato simbólico para lutar contra a vergonha que uma pessoa pode sentir ao dizer a palavra "preservativo". Basta o cliente mexer na orelha duas vezes e a vendedora trará um papel com todos os tipos de produtos de proteção e saúde sexual que tem. Uma solução criativa, mas não a definitiva.
Os métodos anticoncepcionais de longa duração - o adesivo e o dispositivo intrauterino (DIU), - são gratuitos nos serviços de saúde, mas falta informação tanto deste dado como de que podem ser formas úteis para proteção de gestações.
Além disso, as clínicas também se mostram reticentes algumas vezes e têm medo de receitá-los e depois ouvirem queixas dos pais das jovens.
Asport resumiu que os "serviços têm medo de oferecer, e em vez de julgar deveriam oferecer algum método". Mas estes métodos não são efetivos para prevenir Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e sempre deveriam vir acompanhados da camisinha.
"Os jovens pensam que se tiverem relações não haverá problema, porque têm o que chamam 'marcha à ré", disse Valencia.
"O que basicamente procuramos é que as pessoas adquiram a responsabilidade a respeito de sua sexualidade, já que não somente te previne de uma DTS, mas também do HIV, do câncer cervico-uterino, bem como de uma gravidez não desejada", explicou esta médica encarregada do programa nacional de HIV, que também reiterou: "mas é preciso usar de maneira persistente e contínua".
Além disso, o melhor acesso aos métodos anticoncepcionais deve vir acompanhado, segundo as duas especialistas, por uma educação sexual forte desde o colégio e que não tenha foco na punição ou em recomendar a privação.
"Como vamos falar de privação quando o início das relações é cada vez mais cedo; estamos falando de uma média de 13 anos, inclusive agora se fala de 12 anos", alertou Valencia.
Asport resumiu que os professores estão ensinando que "o sexo é ruim, e portanto as pessoas que têm relações sexuais não podem usar métodos anticoncepcionais porque se usarem vão se dedicar à prostituição e à libertinagem".

Fonte : Agência EFE

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