segunda-feira, 21 de agosto de 2017

"O Globo": Zika age como HIV para suprimir sistema imunológico e alcançar fetos



O vírus da zika, relacionado a microcefalia e outros problemas de saúde congênitos, suprime o sistema imunológico de mulheres grávidas para infectar os fetos, de maneira muito similar à atuação do HIV, descobriram pesquisadores da Escola Keck de Medicina da Universidade de Southern California, nos Estados Unidos. A partir de um estudo publicado na atual edição da "Nature Microbiology", eles concluíram que o vírus da zika mira glóbulos brancos específicos — assim como o vírus que causa a aids —, o que faz com que o corpo da grávida não consiga combatê-lo.

As grávidas são mais suscetíveis ao vírus da zika porque a gravidez naturalmente já suprime o sistema imunológico da mulher para que seu corpo não rejeite o feto, que é essencialmente um corpo estranho”, afirma Jae Jung, presidente do Departamento de Microbiologia Molecular e Imunologia da universidade. “Nosso estudo mostra que as mulheres grávidas são mais propensas à supressão imunológica, e que o zika explora essa fraqueza para infectar o feto e se replicar.”
A descoberta é considerada um passo importante para melhorar o destino das gestantes e dos bebês que ainda vão nascer, segundo Suan-Sin Foo, autor principal do estudo e pesquisador associado no laboratório de Jae Jung.
Anteriormente, os colegas identificaram duas proteínas do vírus da zika responsáveis pela microcefalia. Este foi um primeiro passo para evitar que as mães infectadas com o vírus deem à luz bebês com cabeças significativamente menores do que de outras crianças.
'Enganando' os glóbulos brancos
Jung e seus colegas testaram as cepas do vírus da zika africano e asiático em amostras de sangue de homens saudáveis, mulheres não grávidas e mulheres grávidas de 18 a 39 anos. Em um primeiro experimento, eles infectaram sangue obtido de mulheres não grávidas e grávidas com ambas as cepas do vírus. As amostras de sangue foram então analisadas no pico de infecção.
O vírus tornou-se um alvo para os glóbulos brancos chamado "CD14 + monócitos" que se transformam em macrófagos — algo como grandes sacos que "engolirão" e eliminarão vírus, bactérias e detritos celulares para tornar o corpo saudável.
Entretanto, a cepa asiática de zika fez essas células brancas se transformarem em "macrófagos M2", que dizem ao sistema imunológico para desligar porque a ameaça acabou. O sinal falso prejudica todo o sistema e permite que o vírus se reproduza rapidamente.
As mulheres grávidas, naturalmente, têm níveis mais elevados de macrófagos M2 imunossupressores para evitar que o útero rejeite o feto. No entanto, a cepa do vírus asiático aumenta ainda mais a reprodução de macrófagos M2.
Os pesquisadores descobriram que o vírus asiático da zika é mais perigoso durante o primeiro e o segundo trimestre de gestação, quando o vírus pode aumentar a supressão imunológica. Durante o terceiro trimestre, o sangue de gestantes infectadas e mulheres não grávidas era aproximadamente o mesmo.
Truque dos cavaleiros brancos do corpo
No estudo, a infecção de apenas 4% dos glóbulos brancos com vírus da zika foi suficiente para converter uma grande população de leucócitos — os glóbulos brancos — em macrófagos M2 imunossupressores.
A infecção do vírus da zika africano aumentou a supressão imunológica em torno de 10%. Esse índice, no entanto, passou para quase 70% no caso das grávidas infectadas com o vírus asiático.
“Durante a gravidez, o corpo hospedeiro é propenso a infecção oportunista”, destaca Suan-Sin Foo. “Com a ajuda do sistema imunológico naturalmente mais fraco das mulheres grávidas, é possível que o vírus da zika asiático se infiltre no útero e se manifeste no bebê vulnerável.”
Crítica sobre testes com vacinas contra a zika
Os pesquisadores que conduziram o estudo publicado na "Nature Microbiology" criticam o fato de que os experimentos para chegar a uma vacina contra a zika não incluem mulheres grávidas. Nenhum dos ensaios clínicos de Fase 1 para uma vacina do zika realizados atualmente inclui gestantes, o que os dois cientistas destacam como "surpreendente" porque os problemas congênitos causados pelo vírus são justamente a razão pela qual as pessoas estão tão ansiosas para desenvolver uma vacina.
Cerca de 3 mil casos de microcefalia foram associados a mães infectadas com o vírus da zika antes do parto, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde.
“As vacinas do vírus da zika em desenvolvimento parecem ser altamente eficazes, mas estão sendo testadas entre mulheres não grávidas, com química corporal diferente da de mulheres grávidas”, ressalta Jung. “É faz sentido que a dose de vacina recomendada, embora eficaz para mulheres não grávidas, possa não ser suficientemente potente para as grávidas porque seus corpos são mais tolerantes aos vírus.”

Fonte : O Globo

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