quarta-feira, 25 de outubro de 2017

As estratégias dos cientistas na busca pela cura do HIV



As terapias antirretrovirais modernas mais utilizadas hoje para tratar pacientes com aids são capazes de suprimir o HIV a níveis indetectáveis, mas o vírus continua no organismo, escondido, pronto para retomar a infecção caso o tratamento seja interrompido. Sem poder ficar sem os medicamentos, pacientes precisam conviver com a toxidade dos coquetéis, que provocam uma série de efeitos colaterais. Em busca de alternativas para reduzir e controlar a presença do HIV no organismo, pesquisas internacionais testam técnicas diferentes com o mesmo objetivo, enquanto continuam perseguindo a cura da doença que afeta hoje 37 milhões de pessoas no mundo.
Um passo importante foi dado pela equipe de pesquisadores liderada por Sarah Palmer, da Universidade de Sydney, na Austrália. As terapias antirretrovirais são incapazes de eliminar o HIV porque ele incorpora o seu material genético ao DNA das células, se mantendo escondido, apenas esperando a interrupção do tratamento para reiniciar a infecção. Por anos, pesquisadores tentaram identificar onde estão os reservatórios, e a resposta acaba de ser encontrada pelos australianos.
— Nós conseguimos determinar que importantes componentes de replicação do HIV estão escondidos em células T de memória efetora — explica Sarah, coautora de um estudo publicado semana passada na revista científica “Cell Reports”. — Agora que identificamos onde o vírus se esconde, podemos desenvolver tratamentos e estratégias que mirem especificamente o vírus dentro das células ou até células não infectadas.
Os pesquisadores usaram técnicas de sequenciamento genético para analisar material coletado de seis pacientes — três que iniciaram tratamento com coquetéis durante estágio inicial da infecção e três que começaram a se tratar durante a fase crônica — com supressão viral por pelo menos três anos. E o genoma do HIV foi encontrado integrado ao DNA desse tipo específico de células. As células T de memória efetora funcionam como bibliotecas do sistema imunológico. São elas que gravam padrões de antígenos que já infectaram o organismo para uma resposta rápida à nova infecção pelo mesmo invasor.
— O HIV é muito esperto. Ele se integra ao DNA da célula que deveria atacá-lo e fica lá por anos, esperando que o tratamento seja interrompido, como uma bomba-relógio para a reinfecção — diz Palmer. — As drogas atuais fazem com que o vírus pare de se replicar, mas ainda não existe uma cura para o HIV. Os pacientes precisam de drogas ou quimioterapia para o resto da vida.
Uma droga testada por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) também mira especificamente este tipo de célula e se mostrou capaz de eliminar parte do reservatório viral em camundongos infectados. Em laboratório, o composto sintético SUW 133 ativou o HIV latente para que as células infectadas pudessem ser identificadas e destruídas pelo sistema imunológico. A estratégia conhecida como “kick and kill” (chutar e matar) consiste em induzir a expressão do vírus. Outros experimentos já alcançaram o mesmo feito, mas o SUW 133 é considerado o menos tóxico e mais eficiente composto já criado. Com apenas uma dose, entre 5% e 25% do HIV latente foi ativado e destruído em menos de 24 horas.
— É uma prova de conceito. Nós demonstramos que esse composto sintético é capaz de ativar e matar o HIV latente — destaca Matthew Marsden, coautor da pesquisa cujos resultados foram publicados no fim de setembro na revista “PLOS Pathogens”. — O objetivo é eliminar totalmente o HIV do organismo, encontrar uma cura, mas isso é difícil porque ele fica escondido no DNA do próprio paciente. Então, se pudermos destruir uma quantidade suficiente de vírus para que ele possa ser controlado pelo sistema imunológico, sem a necessidade dos coquetéis, seria ótimo.
Agora os pesquisadores irão testar o composto com outros animais, incluindo primatas, para assegurar a segurança da droga antes de ela ser administrada em testes clínicos com humanos.
— Nós queremos que o composto elimine o vírus com a menor toxicidade possível — diz Jerome Zack, que também participou das pesquisas.

Pontencial Arma no Controle da Epidemia 

No Instituto de Pesquisas Scripps, na Flórida, um estudo liderado por Susana Valente propõe outra abordagem. Em vez de tentar destruir o HIV latente no organismo, a pesquisadora propõe o uso da molécula didehidro-cortistatina A (dCA) para impedir a replicação do vírus. A ideia é que a droga substitua a terapia antirretroviral após a carga viral se tornar indetectável.
Os experimentos foram realizados com camundongos infectados com uma versão humana do HIV. Após um mês de tratamento, a reinfecção demorou até 19 dias, enquanto no grupo de controle, que não recebeu a dCA, o período foi de apenas 7 dias. Testes com culturas de células humanas mostraram resultados semelhantes.
— Eu chamo a estratégia de “block and lock” (bloquear e trancar). O vírus continua lá, não conseguimos retirá-lo do DNA da célula infectada, mas conseguimos baixar a replicação. Como se a gente tirasse a gasolina do carro — compara Susana. — Quando combinamos com os coquetéis antirretrovirais, encontramos uma redução drástica do vírus. É a prova de conceito de uma cura funcional.
Agora, a equipe se concentra na ampliação da pesquisa com outros animais, mas já busca parcerias para testes clínicos. Os pesquisadores acreditam que, com um tempo maior de tratamento, pacientes possam abandonar, ao menos temporariamente, as drogas dos coquetéis antirretrovirais, minimizando efeitos colaterais, que vão de enjoos e tonturas ao comprometimento de órgãos como rins, fígado, intestino e coração.
— Precisamos avançar para os testes clínicos para determinar quanto tempo de tratamento é preciso para alcançar um ponto em que o paciente possa se afastar um tempo do coquetel, sem que a infecção retorne — diz Susana.
A pesquisadora explica que estratégias para manter o vírus em níveis indetectáveis podem ser aliadas no combate à epidemia global da doença ou até mesmo na erradicação do HIV. No início do mês, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA revisaram suas orientações e admitiram que soropositivos com carga viral em níveis indetectáveis não transmitem o HIV em relações sexuais ou na interação entre mãe e filhos durante a gravidez, parto ou amamentação.
— Talvez a gente não encontre uma cura definitiva, mas o nosso estudo mostra que a cura funcional é possível. — diz. — Pode se tornar parecido com o vírus da herpes, que fica no organismo dormente e de vez em quando se manifesta e é controlado.

Fonte : O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

  CNS discute desafios para garantir direito universal à Saúde em tempos de negacionismo, durante debate na UFRGS 14 de fevereiro de 2022 O ...