segunda-feira, 13 de junho de 2016

Genotipagem do HIV: Para que serve? Por que demora? Quem deve fazer? Especialistas esclarecem dúvidas sobre o exame



Você descobriu que tem HIV e, para manter o vírus controlado, precisa tomar uma combinação de antirretrovirais diariamente. Caso seu infectologista perceba que essa combinação não está gerando eficácia no seu caso, a situação será investigada e essa medicação, trocada.
Porém, além do vírus HIV ter diversos subtipos, existe os que são resistentes a alguns medicamentos. No Brasil, segundo o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais (DDAHV), as pessoas vivendo com HIV contam com 22 tipos de antirretrovirais, distribuídos pelos SUS (Sistema Único de Saúde).
Então, como saber, em caso de necessidade de troca, se a nova combinação vai ter eficácia? Um dos meios de investigação é a genotipagem. Um exame que, de acordo com os especialistas, identifica o genoma, a presença de mutações de resistência do vírus e é fundamental para estruturar um novo esquema terapêutico.
“A interpretação do exame de genotipagem não é simples, por isso existe uma rede de especialistas que analisam e dão sugestões para os médicos que estão na ponta, a Renageno [Rede Nacional de Laboratórios de Genotipagem]”, explica Denise Lotufo (foto esquerda), infectologista da Gerência de Assistência Integral à Saúde, do CRT (Centro de Referência e Tratamento em DST/Aids-SP)
Frequentemente, a Agência de Notícias da Aids recebe dúvidas a respeito da genotipagem e reclamações sobre demora em marcar o exame. Conversamos com alguns especialistas para entender a função, quando precisa ser feito e a importância desse procedimento.
O que é a genotipagem para HIV e para que serve?
“A genotipagem é um exame que informa o código genético do vírus. Então é possível comparar o genoma com que a pessoa está infectada com o que se considera ‘selvagem’, ou seja, que não tem mutações que resistam aos antirretrovirais. Assim, analisamos e identificamos o genoma para saber o ponto de ação dos medicamentos. No caso de esquema que falhou, ele ajuda a escolher um novo tratamento”, explica Érico Arruda, presidente da Sociedade Cearense de Infectologia.
O exame de genotipagem é de alta complexidade. Segundo o DDAHV, são realizados, pelo SUS, 12 mil exames por ano, ao custo de R$ 516,65 por paciente, ou seja, R$ 6.199.800 por ano.
Para José Vidal (foto direita), médico de referência em genotipagem, do Instituto Emílio Ribas, este exame é importante por que permite definir qual o melhor esquema antirretroviral para conseguir controle da replicação do vírus, “objetivo importantíssimo para preservar as defesas dos pacientes e, assim, evitar doenças oportunistas e outros eventos relacionados à imunodepressão grave (...). Do meu ponto de vista, o exame devia ser realizado sempre, antes do início do tratamento”, afirma Vidal.
Quem pode fazer?
No Brasil, o Ministério da Saúde (MS) define que apenas pacientes que já usam terapia antirretroviral e apresentam falha virológica confirmada podem fazer a genotipagem.
 No caso de pacientes que iniciarão a terapia, são definidos os seguintes grupos: grávidas, pessoas que tenham se infectado com parceiro em uso de terapia antirretroviral (atual ou pregressa) e crianças. “Além de casos de falha terapêutica, nos países desenvolvidos a genotipagem é solicitada para todos os pacientes soropositivos antes do tratamento”, afirma Denise Lotufo.
O tempo de espera para o exame varia de acordo com cada região do país. “Tem regiões em que colegas afirmam esperar de quatro a seis meses pelo resultado da genotipagem. Então, precisamos avaliar sempre com cuidado pensando no paciente”, explica Vidal.
Segundo Érico Arruda (foto esquerda), sem a genotipagem no pré-tratamento, os pacientes em terapia inicial são tratados com os medicamentos sugeridos pelo PCDT [Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas], ou seja, tenofovir + lamivudina + efavirenz [formulação fixa combinada – 3 em 1], que é a primeira opção para os pacientes adultos.
 “Aqueles que têm alguma condição que implique em contraindicação de alguns desses medicamentos recebem combinações alternativas avaliadas pelo especialista que o acompanha”, continua Arruda.

E se o paciente precisa e o exame não é feito?
Para Vidal, no caso de pacientes que já fazem uso de antirretrovirais que apresentam falha virológica confirmada, se o teste não é solicitado oportunamente, existe o risco de acúmulo de mais mutações do vírus associadas à resistência dos medicamentos. A consequência, o médico explica, é a perda progressiva de futuras opções terapêuticas.
“Se, nesse caso, o teste não é solicitado, existe a possibilidade de o paciente receber esquemas antirretrovirais com um ou mais medicamentos resistentes. Isso pode trazer riscos, uma vez que ele pode receber esquemas que não suprimem a multiplicação do vírus nem melhorem suas defesas”, explica Vidal.
Porém ele também observa que a avaliação individual é necessária para indicar a realização de genotipagem de cada paciente.
E a genotipagem no pré-tratamento?
De acordo com Amilcar Tanuri (foto esquerda), pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Estudo Renic (Rede de Isolamento e Caracterização do HIV para a Vigilância Epidemiológica Nacional da Fármaco-Resistência do HIV), que verifica a resistência transmitida do HIV, uma amostragem no território nacional indicou diferentes taxas de resistência a medicamentos no pré-tratamento.
“As taxas variaram de 8 a 10% de resistência em todos os pré-tratamentos. No sudeste e, principalmente, em São Paulo essa taxa chega a 14%. O antirretroviral efavirenz é o principal componente de primeira linha e o que possui as maiores taxas de resistência. Se você tem uma taxa de 14%, 1 em cada 6 pacientes estão iniciando o tratamento com resistência”, diz Tanuri.
A resistência aos medicamentos pode acontecer quando um paciente deixa de fazer o tratamento regularmente ou o abandona. Em caso de transmissão, ele passa a ser infeccioso para um vírus resistente. A pessoa que é infectada por um vírus resistente, também transmite resistente.
“Esse é um dos motivos pelos quais se faz ideal a genotipagem antes do tratamento, pois há anos temos o dado da resistência. Então, existe o problema de começar o tratamento em pacientes com resistência a não nucleosídios [classe à qual o efavirenz pertence]. Então, muitas vezes, uma pessoa toma remédio, mas toma errado, e acaba transmitindo o vírus resistente”, afirma Denise.
Denise explica que um dos meios de acompanhar a evolução do paciente, quando a genotipagem não é feita no pré-tratamento, é fazer o pedido precoce da carga viral e seu status. Segundo a infectologista do CRT, a carga viral indetectável indica o controle ideal do vírus e os médicos precisam estar atentos a isso.
“Vale lembrar que o coquetel é composto por três drogas. Então, se um falha, os outros estão trabalhando. Por meio de estudos, a gente sabe que a pessoa com vírus resistente, alguma hora vai falhar. Daí a importância de o médico estar acompanhando”, diz Amilcar.

O que diz o ex-diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

Poucos antes de Fábio Mesquita pedir demissão do cargo de diretor do Departamento, que ocupou nos últimos três anos, conduzindo as políticas públicas de enfrentamento ao HIV/aids, nós o entrevistamos sobre o assunto genotipagem. Veja o que ele explicou:

Agência de Notícias da Aids: Segundo os especialistas, o exame de genotipagem é de extrema importância para o paciente fazer o tratamento de acordo com genoma com que está infectado. Por qual motivo no Brasil ele não é oferecido no pré-tratamento?
Fábio Mesquita: A definição do genoma do HIV (subtipo do vírus) não é necessária para a definição do esquema antirretroviral.  O exame de genotipagem que identifica, além do genoma do vírus (no Brasil temos os subtipos B, C e F), a presença de mutações de resistência decorrentes da pressão seletiva do tratamento é disponibilizada no SUS desde 2002. No Brasil, ele é indicado sempre que houver falha virológica, sendo ferramenta fundamental para estruturar um novo esquema terapêutico. O Brasil é um dos poucos países do mundo em desenvolvimento a oferecer o exame para os pacientes de forma pública e gratuita.
O critério do Ministério da Saúde para a solicitação desse exame no pré-tratamento é dividido em três grupos: mulheres grávidas, crianças e pessoas infectadas por parceiros que já usam antirretrovirais. Se a maioria das pessoas nem sabe como se infectou, como ela saberá se o parceiro usava antirretrovirais? Que medidas são tomadas pensando nisso?
O sucesso terapêutico se dá pela indetecção de carga viral, que deve ser obtido até seis meses após início ou troca de esquema. Quando o sucesso terapêutico não é alcançado, está indicada a avaliação da adesão do paciente e a realização de genotipagem para estruturação de novo esquema. Contudo, há situações especiais que demandam uma abordagem diferenciada. Sendo assim, a indicação de genotipagem pré-tratamento para mulheres grávidas se justifica pela necessidade de se obter sucesso terapêutico (carga viral indetectável), muitas vezes em pouco tempo, até o momento do parto, com vistas à redução da transmissão vertical do HIV. Em crianças, a genotipagem pré-tratamento está indicada porque a progressão da doença na infecção pelo HIV é mais rápida nelas  do que em adultos e os parâmetros laboratoriais (LT-CD4+ e carga viral) são menos sensíveis para predizer o risco de progressão, especialmente em menores de 12 meses de idade. Em pessoas que tenham se infectado com um parceiro em uso atual ou prévio de TARV está indicada a geno-pré-tratamento, uma vez que a possibilidade de transmissão de mutações de resistência é mais provável nessa situação. Os critérios sempre foram definidos em Comitês Técnicos Assessores de alto nível técnico e científico.
Estudos mostram que a taxa de resistência a não nucleosídios varia, no Brasil, de 8% a 15%. Sendo esse o grupo o com maior resistência aos antirretrovirais, o que é pensado para balancear esses dados com o que é oferecido no país, uma vez que a genotipagem não é ofertada no pré- tratamento e o efavirenz é o principal componente da primeira linha?
Com o objetivo de verificar os níveis de resistência pré-tratamento no Brasil, o Ministério da Saúde fez um estudo nacional de caracterização da resistência transmitida, que foi finalizado recentemente, e os resultados foram apresentados e discutidos na reunião do Comitê Técnico Assessor de Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos, realizada em 17 de maio, em Brasília. O estudo apontou variação entre 4,5 a 7,0% de resistência a não nucleosídeos. Sendo assim, está em discussão no Ministério da Saúde a indicação do efavirenz no esquema preferencial de primeira linha de tratamento. Contudo, vale ressaltar que  a atual política de tratamento tem se mostrado bastante efetiva, considerando que mais de 90% das pessoas em tratamento no país apresentam carga viral suprimida.
Em algumas regiões do país, pacientes levam de seis a oito meses para conseguir fazer a genotipagem. A terceirização desse serviço tem agilizado o processo? Que benefícios essa terceirização proporciona às pessoas vivendo com HIV?
Esta é uma informação do passado e foi o motivo que nos fez abrir um processo licitatório e comprar serviços da iniciativa privada, para garantir melhor preço e agilidade de resultados. Desde dezembro de 2015, o processo de realização da genotipagem está bem mais ágil, pois a empresa vencedora da licitação tem 72 horas para recolher as amostras em cerca de mil pontos de coleta em todo território nacional, e até doze dias úteis para liberar o resultado da genotipagem de forma informatizada. A disponibilização da genotipagem de maneira mais ágil permite que a troca de esquema antirretroviral seja realmente baseada no seu resultado.
Tivemos avanços nos últimos anos? Quais os principais desafios nessa área?
Poucos países no mundo disponibilizam de forma gratuita o exame de genotipagem. No Brasil, esse exame é amplamente disponibilizado no SUS desde 2002. Além disso, de forma pioneira, desde 2013 é também disponibilizada a genotipagem para avaliação de falha terapêutica aos inibidores de integrase, enfuvirtida e para indicação do maraviroque. O principal desafio é a ampliação da solicitação do exame de genotipagem para que, de fato, ele possa auxiliar as trocas de esquemas em todas as situações de falha terapêutica.
O Ministério tem conhecimento de qual é o tempo de espera por região? Em quais lugares ele é mais solicitado?
 A média entre a coleta da amostra até o resultado era, em média, 30 dias em 2015. Desde dezembro de 2015, com o novo contrato, o tempo de liberação passou a ser de até 12 dias úteis. A região sudeste é a maior demandante (55%), seguido da região sul (18%), nordeste (15%), centro-oeste (6%) e norte (6%).

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