Nas últimas semanas, ativistas de alguns Estados brasileiros sinalizaram, via redes sociais, estoque crítico e até falta de alguns antirretrovirais, remédios que compõe o tratamento das pessoas que vivem com HIV/aids. Todos os gestores estaduais ouvidos pela Agência de Notícias da Aids relataram remanejamento de estoque entre unidades de saúde e entrega fracionada no último mês. O Departamento de IST, HIV, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde afirma que houve problemas diversos com 5 dos 37 medicamentos distribuídos no País, mas está unindo esforços para solucionar cada um deles.
Na Bahia, embora o Estado esteja trabalhando com remanejamento entre ambulatórios Daniela Vitor, diretora da assistência farmacêutica da Secretaria Estadual da Saúde, disse que não tem mais estoque do abacavir solução oral. O medicamento é usado para tratar crianças soropositivas. “Nós tivemos um período de falta de diversos medicamentos. Depois de muitas cobranças, regularizou. Estamos com estoque parcial do zidovudina (solução oral infantil), do lamivudina e do 3 em 1 (efavirenz+ tenofovir + lamivudina). Mas do abacavir, zeramos. Se uma mãe precisar, não temos”, afirmou.
Daniela explicou que os profissionais do Estado estão fazendo “uma força tarefa” para entregar o mais rápido possível todos os remédios recebidos.
No Brasil, os antirretrovirais são comprados pelo Ministério da Saúde, distribuídos aos Estados e encaminhados aos Municípios. Assim chegam aos usuários via SUS (Sistema Único de Saúde). Os estoques são acompanhados pelo Siclom (Sistema de Controle Logístico de Medicamentos). Por meio desse sistema, os gestores fazem pedidos e conseguem remanejar medicamentos quando preciso.
Em Mato Grosso, foi necessário trabalhar em estratégia de emergência. A coordenadora da Vigilância Epidemiológica do Estado, Alessandra Moraes, contou que costuma receber um quantitativo suficiente para três meses de estoque e na última remessa recebeu para um mês: “Neste momento, conseguimos manter a distribuição. Mas ainda está difícil. Como recebemos menos, entregamos menos. Tem município que está a 1.200 quilômetros da capital. Se ele nos manda um alerta, mesmo que façamos tudo imediatamente não atendemos tão rápido. E o paciente terá que voltar mais vezes ao serviço.”
No entanto, segundo a coordenadora, existem unidades que mesmo com estoque para um mês, fracionam os remédios. O motivo? Receio de faltar. “Um usuário me relatou que emprestou o medicamento para um colega recém-diagnosticado. Eles fazem uso do mesmo esquema. Pra mim, é uma situação complexa e difícil de lidar.”
No Rio Grande do Sul, a situação foi outra: problemas de logística e avaria de algumas embalagens. “Fazia 5 anos que não tínhamos problemas, no momento que aconteceu foi um atrás do outro. Quando soubemos que os ambulatórios estavam fracionando a entrega para os usuários, procuramos ajustar os ponteiros. Aqui, sempre tem estoque para quatro meses. Como recebemos para um mês, gerou receio”, informou Elson Farias, diretor do Departamento de Ações de Saúde.
Em São Paulo, a coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids, Maria Clara afirmou que não há falta, mas os estoques estão em estado crítico: “Estamos entregando para um mês. O que acontece é que sempre fornecemos para três meses. Ficamos em contato constante com as regionais para o remanejando aonde for necessário. Não é uma situação confortável. São cerca de 10 medicamentos em estoque crítico, mas o MS tem essa relação e garantiu o abastecimento nos próximos dias.”
No caso de Santa Catarina, Dulce Quevedo, gerente estadual de DST Aids e Hepatites Virais, contou que chegou a ter fracionamento semanal do abacavir (solução oral). “Os municípios tinham poucos frascos e por isso fracionaram. Enviamos notas técnicas para não fracionar, mas eu entendo a decisão do gestor que está na ponta. É uma preocupação com o usuário. Agora, estamos com estoque critico do kaletra. Mas já entramos em contato com o MS para eles avaliarem o que podemos fazer.”
A situação do Amazonas é semelhante à de outros Estados. As Unidades Dispensadoras de Medicamentos (UDM) recebiam o quantitativo suficiente para estoque de pelo menos três meses. De acordo com Maria das Graças, responsável pela logística do Estado, o fato de ter recebido para um mês levou ao receio de faltar e consequentemente ao fracionamento. “Estamos nos esforçando para entregar o suficiente para 30 dias de tratamento. Não temos estoque para dispensar mais do que isso. Se não tivéssemos fracionado, teria faltado.”
Questionada sobre as ações pensadas para os pacientes que não moram próximo das unidades que dispensam os medicamentos, Maria das Graças explicou: “Quando o usuário mora perto, na situação que estamos, temos dispensado o suficiente para um mês. Já os que estão longe, fazemos o possível para entregar para três meses. Têm pessoas que viajam até a capital. Estamos nos esforçamos e contamos com a garantia da novas grades que o Ministério vai enviar”.
O cenário não é o mesmo no Rio Grande do Norte, segundo relatos do coordenado estadual de DST Aids, Sergio Cabral. “Aqui a gente tem feito milagre para que o usuário não fique sem. Chegou a faltar o 3 em 1, pois pedimos 160 mil e recebemos 60 mil. Toda medicação que o Ministério nos envia não está de acordo com o nosso pedido. Nós atendemos moradores da Paraíba e Ceará que preferem se tratar aqui por conta do sigilo. Precisamos do apoio do Ministério”.
Sergio disse ainda que as combinações de medicamentos que não existem em estoque têm sido trocadas. “Quando o usuário chega ao serviço e não tem o antirretroviral que ele usa, orientamos que um médico o atenda e passe uma terapia que tenha em estoque. Estamos preocupados com o paciente. No momento, isso é o melhor que podemos oferecer.”
Departamento de IST, HIV, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde garante que não existe desabastecimento
“Não tem desabastecimento. Infelizmente, tivemos problemas com cinco itens pelas mais diversas situações. Não devemos gerar insegurança no usuário, pois nos preocupamos com a adesão e qualidade do tratamento. O Departamento está fazendo todo o esforço possível para regularizar a situação. O medicamento vai chegar”, dra. Adele Benzaken, diretora do Departamento de IST, HIV, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.
A diretora explicou que estoque crítico equivale a um mês de reserva. Disse ainda que a área técnica enfrentou problemas de logística, avaria e fornecedor em um único mês.
“O orçamento de compras de medicamento é garantido por lei desde o inicio da epidemia do HIV. Nós, inclusive, já estamos em discussão sobre o do próximo ano. Colocando uma perspectiva de aumento nesse orçamento para podermos fazer a troca do efavirenz para o dolutegravir. Então, não existe compra fragmentada ou falta de orçamento. Estoque crítico, não quer dizer que vai zerar ou que as UDM têm que fracionar a entrega dos antirretrovirais”, enfatizou dra. Adele.
O medicamento 3 em 1, citado nesta matéria pela maioria dos gestores também foi mencionado pela diretora: “Importamos esse medicamento via OPAS [Organização Pan-Americana de Saúde]. Tivemos várias questões com ele, inclusive avaria. Por este motivo, foi necessário ir ao estoque e avaliar frasco por frasco. Em outra carga, desapareceram 20 volumes. Quando isso acontece, não podemos receber a carga toda. É uma regra.Ou seja, foram dois problemas, um depois do outroantes de entrar no país”, lamentou a diretora.
Na segunda semana de julho (12), o Departamento enviou aos coordenadores responsáveis pela logística dos antirretrovirais uma lista com a data de chegada dos cinco medicamentos que não foram distribuídos de acordo com a programação. São eles: zidovudina solução oral, zidovudina 300mg + lamivudina 150mg, ritonavir solução oral, tenofovir 300mg + lamivudina 300mg + efavirenz 600mg (3 em 1), abacavir solução oral.
Em relação aos medicamentos específicos, o Ministério da Saúde reafirmou que não há falta de remédios para aids em São Paulo e em nenhum outro estado do país. “Temos garantido remessas regulares de forma a manter o abastecimento de pelo menos um mês da demanda total solicitada pelo Estado. ”
Confira a situação de cada medicamento segundo o Ministério da Saúde
- Ritonavir 100mg: maioria dos estados recebeu na semana passada o quantitativo de medicamentos para, no mínimo, um mês e meio de cobertura. São Paulo (estado e município), Rio de Janeiro (só município), RS, MG e PR receberam nesta segunda-feira (24), os medicamentos;
- Zidovudina solução oral: os estados receberão nesta semana quantitativo de medicamentos para um mês e meio de cobertura;
- Zidovudina 300mg + lamivudina 150mg: os estados de AL, AM, DF, PA, SP, TO, MG, MS, RO, receberão nesta semana quantitativo de medicamentos para completar a cobertura de agosto e parte de setembro. Os demais estados receberão até o final do mês medicamentos para a cobertura de agosto e parte de setembro;
- Ritonavir solução oral: os pedidos dos 13 estados que utilizam este medicamento foram enviados na semana passada quantitativo de medicamentos para um mês e meio de cobertura;
- Tenofovir 300mg + lamivudina 300mg + efavirenz 600mg (3 em 1): até o final de julho todos os estados receberão as novas remessas do medicamento com quantitativo para mais de 2 meses de consumo;
- Abacavir solução oral: até final de julho, todos os estados receberão quantitativo para atender dois meses de consumo;
- Lopinar/ritonavir (kaletra): Conforme nota informativa 059/2017 emitida pelo Departamento de Aids no início de julho, será substituído gradualmente por outros medicamentos com menor toxidade e mais praticidade no uso para o paciente.
Dados de HIV no país
De acordo com o Boletim Epidemiológico de HIV, publicado em dezembro de 2016, 827 mil pessoas vivem com HIV/aids no Brasil. Destas 715 mil já foram diagnosticadas e 455 mil pessoas estão em tratamento com antirretrovirais. 410 mil estão com carga viral indetectável. A carga viral indetectável é um dos sucessos obtidos quando o tratamento é feito corretamente, pois ela auxilia no aumento da qualidade de vida da pessoa vivendo com HIV e reduz as chances de transmissão do vírus.
Um relatório divulgado pelo Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids), na última quinta-feira (20), apontou que 49% das novas infecções latino-americanas por HIV afetam brasileiros. O segundo lugar é do México, com 13%. No Brasil, o número de mortes por aids ficou estável em 14 mil vítimas por ano, entre 2010 e 2016.
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Ministério da Saúde – Assessoria de Imprensa